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Uma boa notícia para a Cultura – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Abr 1, 2024

Há umas semanas tive uma conversa sobre os dilemas da cultura em Portugal com alguém moderadamente ligado ao poder político. Discordámos num aspecto em particular. Eu considero que a escolha de um ministro da Cultura oriundo do mundo da cultura é crucial. O meu interlocutor, talvez bem menos lírico e ingénuo, dizia-me que esse aspecto não era minimamente relevante. Na sua opinião, basta ser alguém próximo do aparelho partidário, e sobretudo, ser alguém com peso político para obter algo essencial sem o qual nada se faz — dinheiro.

Disse-me igualmente que a escolha de Pedro Adão e Silva não tinha sido má. É, de facto, alguém com peso dentro do PS e uma personalidade dialogante capaz de desbloquear verbas para um sector habitualmente desfavorecido. Desconheço se a história o irá absolver neste capítulo. Também não será a mais pesada das penas, existem bem piores.

Finda a conversa, não sei se concordei ou discordei. Acontece-me amiúde quando os argumentos são bons. Mas a lógica prevaleceu. De facto, a cultura enfrenta sempre uma espécie de paradoxo ingovernável: se o ministro é forte culturalmente não obtém verbas necessárias para cumprir o seu paradigma; se o ministro tem peso político, não tem paradigmas a defender… Parece-me que foi o que aconteceu com Pedro Adão e Silva. Forte politicamente, mas sem visão cultural.

Certo é que verdadeiramente nada avançou. É possível também que nada tenha recuado. E o problema é mesmo esse. A pasta da cultura em Portugal não passa da gestão possível de recursos que já se encontram previamente atribuídos. Não sobra nada, nem para o mais efémero clip ou agrafo… Prova disso é que sempre se mostrou incapaz de pôr fim ao vergonhoso estado de degradação do património cultural material. É que a entropia não tem cor nem tendências partidárias. Nunca pára na sua voragem imparável de reduzir tudo à sua forma original – o caos. A vítima mais evidente é o frágil património cultural do interior do país, votado ao abandono há décadas.

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Aliás, creio que findo este ciclo de 8 anos de governação socialista, ainda por cima, apoiado em parte da caminhada pelo BE e pelo PCP, caiu por terra um dos últimos paradigmas da história ocidental – a de que a cultura é maioritariamente de esquerda. Leia-se o artigo de Sérgio Andrade, publicado no Público em 2019, «Na política cultural, esquerda e direita não têm dinheiro para divergir». Nesse mesmo ano a ministra da cultura, Graça Fonseca, dispôs de 501,3 milhões de euros. Note-se, porém, que mais de metade desse valor foi destinado à RTP. Será que vale a pena investir numa área em que o privado faz o mesmo com menos recursos e com melhores resultados? Será viável apostar numa área em que a RTP1 concorre deslealmente com o sector privado, apresentando, porém, programas de igual gosto e qualidade duvidosa? Será inteligente apostar numa área sem retornos evidentes enquanto o património nacional ameaça ruína? Dever-se-ia apostar apenas na RTP2 enquanto canal institucional com uma programação excepcional, que de resto já tem, e canalizar verbas para a administração da cultura como nunca foi feito? A resposta parece-me clara e levar-nos-ia certamente para outra discussão que importa fazer, mas que não cabe agora aqui. Dalila Rodrigues deveria, no entanto, meditar sobre estas e outras questões…

Aliás, o seu percurso enquanto historiadora da arte, professora universitária e directora de alguns dos museus mais relevantes no panorama nacional, leia-se Museu Nacional de Arte Antiga, Museu Grão Vasco e Mosteiro dos Jerónimos, coloca-a, de facto, numa posição privilegiada para resolver alguns dos problemas aparentemente insolúveis que o sector enfrenta.

Para tal, será importante não perder de vista nem da memória a confrangedora situação que, em 2017, António Filipe Pimentel teve de enfrentar, diga-se em abono da verdade, com inusitada coragem. Recorde-se: encerrar pisos inteiros do MNAA por falta de vigilantes. Eu próprio testemunhei a situação. Visitei o museu diversas vezes com alunos estrangeiros da Flul e percebi no seu olhar o espanto e a absoluta incompreensão com tamanha negligência e penúria de uma instituição como o MNAA. Diga-se igualmente, em abono da verdade, que apesar do evidente escândalo da situação, foram poucas ou quase nenhumas as vozes a denunciar essa situação. Vivia-se a alegria das reposições, o fim da austeridade! Ficava mal ao boneco falar de penúria…

É bem verdade que as boas notícias vão escasseando, mas a escolha de Dalila Rodrigues para ministra da Cultura só pode ser encarado como urgente e promissora. Vamos ver se a máquina partidária não a impedirá de realizar o irrealizável.



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