Cinco ex-combatentes em África reencontram-se, dez anos depois, e cruzam histórias sobre como a Guerra Colonial lhes moldou as vidas. Eis o ponto de partida do romance Fado Alexandrino, de António Lobo Antunes, que Nuno Cardoso, diretor artístico do Teatro Nacional São João, no Porto, se prepara para levar a palco. O livro, publicado em 1983, é um retrato de Portugal pintado a três tempos: antes, durante e após a Revolução dos Cravos, essa que o encenador e ator considera ter tido sangue, sim, mas previamente. Ou seja, nos 13 anos que duraram os conflitos em África, alimentados por uma “juventude anónima” à qual, em seu entender, se deve hoje a democracia. Dela fizeram parte familiares seus, a começar pelo pai.
Há, pois, uma certa carga emocional neste espetáculo, que se estreia no âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, mas que há muito vinha ganhando forma interiormente. Nuno Cardoso leu aquele que considera “o grande romance da segunda metade do século XX português” quando ainda estudava Direito, em Coimbra, e voltou a lê-lo mais tarde, já maduro e consciente de como essa história conduzia ao seu álbum familiar de recordações. Convicto de que o tema da Guerra Colonial já começa a cair no esquecimento, resgata-o agora, assumindo a encenação, a adaptação cénica e a dramaturgia de Fado Alexandrino, com perto de três horas de duração e dois intervalos — necessários para acomodar tanta informação e tamanha intensidade.
A peça tem estreia marcada para 5 de abril, no São João, e fica em cena até dia 28; depois, parte em digressão, com destino a Lisboa, Aveiro, Braga e Faro. Trata-se de uma criação própria, produzida em parceria com o Theatro Circo, de Braga, o Centro Cultural de Belém, o Teatro Aveirense e o Théâtre National du Luxembourg. A interpretação está a cargo de Joana Carvalho, Lisa Reis, Patrícia Queirós, Jorge Mota, Paulo Freixinho e Pedro Frias, atores residentes, a que se juntam Ana Brandão, António Afonso Parra, Pedro Almendra, Roldy Harrys, Sérgio Sá Cunha e Telma Cardoso.
Já a música é da responsabilidade de Pedro Cardoso, mais conhecido como Peixe, que fez parte dos Ornatos Violeta e de outros projetos musicais, como os Pluto, regressados aos palcos recentemente. Peixe foi criando à medida que avançava no livro, com mais de 600 páginas, que classifica como “uma obra-prima da literatura portuguesa”. A temática também lhe era familiar. “O meu pai esteve em Moçambique, no exército, antes de a Guerra rebentar. Isto é um encontro de ex-combatentes, e o meu pai ia todos os anos a esses encontros. É um imaginário que me diz muito”, conta, antes de mais um ensaio, no São João.
Os atores vestem roupa de época, num palco onde coexistem calçada portuguesa, mesas de café e um carro de combate. De vez em quando, ouve-se o ruído de um helicóptero e surgem luzes intensas que levam os protagonistas a lançar-se ao chão. O trabalho entende-se pela noite dentro, mas Nuno Cardoso não vai embora sem se sentar connosco na plateia, para uma conversa que toca vários pontos, como a Guerra Colonial, o 25 de Abril, a atualidade política, a correria em que vivemos e o serviço precioso que o teatro continua a prestar – desde logo, reservar tempo para, simplesmente, nos sentarmos a pensar sobre o que vemos no palco; e, em última análise, sobre o que talvez de outro modo não víssemos em nós.