Aseel Baidoun, palestiniana, pertence à Medical Aid for Palestinians, onde colabora como diretora legal e de campanhas. Ao Observador, também fala num “ataque trágico”. Mas lembra que não é a primeira vez que trabalhadores humanitários morrem em Gaza desde a escalada do conflito com o Hamas: “Desta vez, a notícia tem mais eco porque as vítimas eram estrangeiras”. E acrescenta: “Estes trabalhadores têm de ser protegidos”.
Questionados sobre a experiência de trabalhar no terreno, num conflito que, de acordo com as autoridades palestinianas, já fez mais de 33.000 mortos e 75.000 feridos, os adjetivos utilizados são semelhantes: “Horrível, devastador, caótico e perigoso”.
O médico Zawar Ali foi para Gaza no dia 1 de janeiro, onde, logo depois do ataque do Hamas, a International Medical Corps montou um hospital de campanha com capacidade para 140 camas. A ONG, fundada em 1984 nos Estados Unidos, fornece ajuda médica a civis afetados pelo conflito. “Temos capacidade para fazer cirurgias e partos. Temos raio-x, reservas de sangue e medicamentos. E estamos a expandir a capacidade”, explica ao Observador. De acordo com Zawar Ali, o hospital dá resposta a “600 pacientes” por dia e, só entre janeiro e março, tratou “30.000 vítimas”, para além dos “mais de 300 partos”. O staff é de 400 voluntários. “Estamos a ter um impacto positivo”, destaca.
Mas as necessidades humanitárias dos civis afetados pelo conflito entre Israel e Hamas são intermináveis. E nem toda a ajuda do mundo chega, diz o médico.
As condições são horríveis. Já estive noutros cenários, mas nada se compara a Gaza. As circunstâncias são diferentes: é uma área muito pequena, com muitas pessoas que não conseguem satisfazer as necessidades humanitárias. E há explosões, há tiros, e o nosso hospital é feito de tendas, o que não oferece uma grande proteção. Já houve incidentes muito perto de nós. E ouvimos as pessoas a chorar. É intimidante. É uma experiência diferente e um trabalho difícil. Mas foi para isto que fomos treinados. Estamos a distribuir ajuda em Gaza e vamos continuar a fazê-lo”, afirma Zawar Ali, da International Medical Corps.
Ao Observador, o especialista relata ainda um cenário em que a morte é uma constante — desde crianças a idosos. “Muitos civis chegam ao hospital já mortos. O nosso trabalho, nesses casos, é tratar os cadáveres com respeito e contactar os familiares”. E Ali destaca que é frequente criar ligação com os pacientes. “Enquanto médico, o paciente é a nossa prioridade. Claro que ficamos apegados. É natural”. Questionado sobre um caso que o tenha marcado mais, o profissional de saúde recorda o episódio de um homem que foi baleado na cabeça.
Este paciente tinha muitos danos no cérebro e tivemos de fazer uma cirurgia de emergência. Tememos o pior, pensávamos que não ia sobreviver. Mas, graças a Deus, sobreviveu e melhorou. Saiu do coma e está a recuperar. São histórias que nos acompanham para sempre”, destaca.
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A International Medical Corps opera em Gaza há vários anos e trabalha com vários parceiros internacionais para oferecer ainda serviços de ajuda psicológica, nutrição, apoio contra a violência de género e acesso a água potável e higiene pessoal.
A partir da Cisjordânia, Aseel Baidoun, que integra a Medical Aid for Palestinians, também ajuda no envio de bens humanitários para a Faixa de Gaza. Esta organização de caridade, baseada no Reino Unido, já distribuiu “milhões de dólares” em apoio humanitário no enclave.
É um apoio que ganha ainda mais relevância depois da destruição do Hospital Al-Shifa, o maior de Gaza. A Organização Mundial da Saúde alertou este sábado que a instituição de saúde está completamente em ruínas, depois dos ataques de Israel, e com várias sepulturas e vestígios de cadáveres no interior.