Quer isto dizer que a lei dá margem de manobra ao procurador titular dos autos para decidir se é ou não ainda o momento oportuno para ouvir António Costa. Seja porque a prova recolhida nas buscas de novembro ainda está a ser analisada ou porque ainda estão a ser realizadas outras diligências de investigação.
Sim, é normal. Indo apenas a alguns casos mais mediáticos, entre muitos outros, basta recordar os de personalidades públicas como Bruno Carvalho. O então presidente do Sporting era dado como suspeito em várias notícias na investigação à invasão da Academia de Alcochete por parte de membros da Juve Leo a 11 de outubro de 2018 e resolveu apresentar-se voluntariamente no DCIAP e no DIAP de Lisboa para ser ouvido formalmente no inquérito.
Contudo, tal requerimento apresentado nas secretarias dos dois departamentos do MP não foi atendido. Bruno de Carvalho, que já tinha visto a juíza de instrução criminal recusar a sua constituição como assistente no processo, acabou por ser detido um mês depois, juntamente com outros membros da Juve Leo, e constituído arguido por ser o alegado mandante do ataque à Academia de Alcochete. Foi acusado mais tarde e absolvido em tribunal de todos os crimes em maio de 2020.
Também Luís Newton, conhecido militante do PSD, presidente da Junta de Freguesia da Estrela, já foi dado várias vezes como suspeito nos autos da Operação Tutti Fruti e referido em trabalhos jornalísticos. Através do seu advogado, Paulo Saragoça da Matta, requereu nos autos o seu interrogatório e constituição como arguido, entre outubro e novembro de 2023, mas até hoje o requerimento não teve resposta.
Bruno de Carvalho foi ao DCIAP, passou para o DIAP mas não vai ser (para já) ouvido no caso da Academia
Mais: o juiz de instrução criminal titular dos autos recusou a sua constituição como arguido por entender que esse não é um direito do arguido, o que motivou um recurso da sua defesa para o Tribunal da Relação de Lisboa. Resumindo: Newton ainda não foi ouvido quase seis meses após a apresentação do requerimento.
Entre outras situações, há mesmo o caso, revelado pelo Observador, do padre madeirense suspeito de abuso sexual de menores que se deslocou à Procuradoria-Geral da República para se entregar por sua livre iniciativa, por estar foragido à Justiça, mas que também não teve sucesso. Em dezembro de 2023, o padre Anastácio Alves foi condenado a seis anos e seis meses por um tribunal do Funchal por abuso sexual de menores.
Sim. Por exemplo, o empresário Mário Ferreira foi alvo de buscas judiciais a propósito de suspeitas de alegada fraude fiscal na venda do ferry Atlântida no dia 6 de julho de 2022. Endereçou nesse mesmo dia uma carta formal aos procuradores titulares da investigação a pedir para ser constituído arguido e os procuradores avançaram para a sua constituição como arguido no dia seguinte.
Contudo, e ao que o Observador apurou, não houve a realização de qualquer interrogatório. Foi um mero pro-forma para Mário Ferreira assumir a sua posição processual de arguido.
O ex-primeiro-ministro tem reclamado, desde o dia das buscas da Operação Influencer — que visaram Vítor Escária, o seu melhor amigo Diogo Lacerda Machado e ministros como João Galamba e Duarte Cordeiro — total inocência neste caso.
O Observador revelou em exclusivo, em janeiro, que o MP encara Costa como suspeito da prática do crime de prevaricação, devido à aprovação do novo Regime Jurídico de Urbanização e Edificação no Conselho de Ministros do dia 19 de outubro de 2023.
Dias antes deste Conselho de Ministros, e enquanto o MP ainda escutava as respetivas conversas entre os suspeitos do processo, o ex-ministro João Galamba e João Tiago Silveira (coordenador do Simplex do licenciamento, que está na origem da nova lei, e advogado do escritório Morais Leitão) terão negociado os pormenores da nova lei com Rui Oliveira Neves (administrador da Start Campus e colega de João Tiago Silveira na Morais Leitão). Tudo para que a construção do data center da empresa pudesse alegadamente ser beneficiada pela nova lei, ficando dispensada de um processo de licenciamento urbanístico.
Influencer. Costa suspeito de prevaricação devido a “lei malandra” negociada por Galamba e João Tiago Silveira
O MP entende, com base numa escuta telefónica em que João Tiago Silveira diz a Rui Oliveira Neves que esteve “com o Costa quatro horas a ver isto na quarta-feira [dia 11 de outubro de 2023] e que o gajo está completamente entusiasmado com isto”. O “isto” é, segundo o Ministério Público, uma “lei feita à medida” que foi classificada por Oliveira Neves como algo “muito malandro, mas é por aqui que a gente tem que ir.”
Entretanto, o juiz de instrução Nuno Dias Costa emitiu depois um despacho de resposta ao recurso do MP sobre as medidas de coação dos arguidos em que, não só afirma que as suspeitas contra António Costa são “vagas” e “contraditórias”, como o crime de prevaricação não pode ser imputado ao ex-primeiro-ministro no âmbito de um alegado processo de favorecimento num processo legislativo.
Uma ideia que o advogado Tiago Rodrigues Bastos, advogado de Vítor Escária, já tinha defendido em entrevista ao Observador.
Aqui as opiniões dividem-se. Há penalistas que defendem que essa matéria deve ser tida em conta pelo Ministério Público, visto que os indícios contra António Costa serão fracos e que há um alegado interesse superior da República em ter um português num lugar de topo da União Europeia. Outros que dizem que a lei é para cumprir.
Não há grandes dúvidas que a urgência de António Costa em ver esclarecidas as suspeitas que existem contra si na Operação Influencer não pode ser desligada do seu interesse pessoal em ser presidente do Conselho Europeu — cargo de topo da União Europeia para o qual reunirá apoios relevantes entre uma boa parte dos chefes de Governo dos 27 Estados-Membros e mesmo do novo Governo português. Paulo Rangel, o agora ministro dos Negócios Estrangeiros, afirmou isso mesmo numa entrevista no final da semana, dizendo que se a hipótese se colocar o Governo não vai assumir uma posição negativa.
As eleições europeias são em junho e as grandes decisões sobre os cargos de topo, como a presidente da Comissão Europeia, o presidente do Conselho Europeu ou o presidente do Parlamento Europeu, acontecem logo a seguir. Por isso, a janela temporal é curta.