Do caso das gémeas ao plano de emergência para a Saúde, de referências a Alexandra Reis à casa de Espinho de Luís Montenegro, da atribuição de culpas tanto ao anterior como ao atual Governo pela situação dos imigrantes em Portugal à Madeira, tudo é motivo para, dia após dia, Ventura aparecer a falar dos temas que quer e ignorar que a campanha é para umas eleições europeias.
Em Santarém, no primeiro jantar-comício em que Tânger Corrêa esteve presente, e naquele que foi o segundo discurso desde o arranque da campanha — a falta de comícios não permite a Ventura ter tanto tempo mediático sem questões dos jornalistas —, o presidente do partido avisou que “aqueles que davam [o Chega] por vencidos” perceberam na primeira semana de campanha que “o Chega voltou a estar ombreado com os maiores”.
“Estão com medo porque sabem que o nosso resultado vai ser forte”, sugeriu o líder do Chega, que alertou para sondagens com valores abaixo dos reais e colocou como fasquia “subir o resultado” que teve nas legislativas e “lutar para vencer”. “Vamos ter o mesmo número de eurodeputados, senão mais, do que PS e PSD nestas eleições”, antecipou.
E se o tema da imigração marca esta corrida às eleições europeias ainda antes do arranque da campanha, André Ventura também não desperdiçou a oportunidade para o levar novamente, desta vez com direito à criação de um grito de guerra que rapidamente entusiasmou a plateia: “Nem mais um imigrante até termos isto regularizado.” “Nem mais um”, repetiu-se durante vários segundos e novamente quando Tânger subiu ao palco.
O soundbite assenta na proposta de suspender as autorizações de residência até que os pedidos pendentes sejam analisados e que levou André Ventura a ir mais longe pedindo que se “fechem fronteiras” até a atual situação estar resolvida. “Estamos cheios de imigrantes e não podemos receber mais imigrantes.”
E o tema vem ter com Ventura, até na rua, dando-lhe ainda mais força para aumentar a narrativa. Na Feira do Livro, abordado por uma emigrante portuguesa que viveu em França, ouviu queixas de quem justificou o regresso com imigrantes islâmicos e fez promessas de que o Chega vai “lutar para que não aconteça aqui”. E nem quando o pedido de fotografia vem de um jovem de 14 anos, natural do Iraque, Ventura dá tréguas. A selfie seguida de um cumprimento com palmada no peito, sorriso na cara e o aviso: “Cumprir as regras.”
De novo no discurso em Santarém, Ventura defendeu o mesmo, que é preciso “regras para entrar no país” e deu Bélgica, França e Inglaterra como “exemplos de outros países da Europa” para dizer que a “imigração islâmica se tornou maioritária”. Pelo caminho, repetiu o exemplo da casa (“Imaginem a vossa própria casa com uma porta aberta onde de repente invadem todas as divisões, imaginem a casa toda cheia e de repente começam a pôr pessoas na varanda também e no terraço. E depois a casa está completamente cheia. O que é que faz uma pessoa normal e com cabeça? Continua a dizer-lhes para virem para casa, ou diz que não entra mais ninguém até estar resolvida a situação da sua própria casa?”) e aproveitou para deixar uma farpa a Luís Montenegro, ao dizer que “se a casa não tiver seis andares, em Espinho, fica cheia rapidamente”. A dica nas entrelinhas, uma referência à polémica que envolveu o licenciamento da casa do atual primeiro-ministro, passou rápido, gerou risos, mas serviu para criticar o atual Governo.
Nos últimos dias, já disse que o problema da imigração é uma herança do anterior Governo, mas também do atual, que acusou de “fracasso” por “ainda não ter conseguido resolver este problema quando se tinha comprometido com a reversão da extinção do SEF”. E nas poucas referências que fez a adversários nas europeias, desafiou Marta Temido a assumir “a responsabilidade” da opção do governo de Costa que, disse, “levou à criação desta agência e à sua reestruturação e ao desastre que temos hoje, que é uma agência completamente ineficaz, sem funcionários motivados e com um sinal político errado”.
No mesmo sentido, tem optado por falar do caso das gémeas todos os dias, anunciou potestativos, pediu que os protagonistas deem justificações e desafiou Marcelo Rebelo de Sousa a responder à comissão de inquérito — “Não quero acreditar que o Presidente, que pediu transparência a todos, inclusive ao Chega, agora que se vê ele envolvido num caso que é grave, se exima ou fuja à responsabilidade e à justiça.”
Perante isso, desafiou mesmo o Presidente da República: “Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, há momentos na vida em que nos definimos como políticos. Responder a esta comissão de inquérito, responder para haver justiça e transparência, não é só uma questão de ser político ou não ser, é de exercer um cargo público com decência e com dignidade.”
E também não deixou escapar um dos temas mais cavalgados dos últimos meses: as reparações às ex-colónias. Reiterou que se trata de algo “chocante”, falou diretamente para quem esteve na guerra e “veio de lá sem nada”, para concluir, numa referência à aproximação do mandato e ao facto de ir ver os poderes reduzidos: “Finalmente vamos ver-nos livres de Marcelo Rebelo de Sousa.”