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Tempo de estudar e ponderar – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Jun 24, 2024

Já tudo será sido dito sobre os preocupantes resultados globais das eleições europeias (não, felizmente, no caso de Portugal). Modestamente, gostaria apenas de sugerir que a complexidade dos resultados bem como a elevada qualidade de muitos comentários e análises apontam num sentido inequívoco: precisamos de parar um pouco para estudar e ponderar.

Esta recomendação de estudo e ponderação impõe-se sobretudo aos que defendem a democracia liberal ocidental – fundada no primado da lei e na concorrência e alternância civilizadas entre a direita moderada e a esquerda moderada.

Foi esta concorrência, bem como a alternância, entre direita e esquerda civilizadas que esteve na base do sucesso das democracias euro-atlânticas desde a vitória democrática na II Guerra Mundial em 1945 – bem como, depois disso, na segunda vitória democrática após a queda do Muro de Berlim em 1989 e das pacíficas transições à democracia na Europa Central e de Leste.

Estas concorrência e alternância civilizadas assentaram sempre na recusa das “teorias” da luta de classes, bem como da luta entre o chamado “povo” e/ou “proletariado” contra as chamadas “elites” e/ou “oligarquias”. Estas “teorias” foram amplamente papagueadas pelo comunismo e pelo nazi-fascismo, bem como pelos seus “compagnons de route”. Por outras palavras foram comumente lideradas pelo semi-educado cabo Hitler, pelo ex-marxista Mussolini e pelo marxista Lenine.

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Um dos factores que permitiram a ascensão desses revolucionários semi-educados foi a erosão e declínio da concorrência e alternância civilizadas entre direita e esquerda democráticas. Sem querer exagerar, é a uma erosão semelhante do chamado “centro vital” que podemos estar a começar a assistir nos dias que correm.

A erosão do “centro vital” foi particularmente visível nos resultados eleitorais em França e, de forma mais atenuada, também na Alemanha. Mas, no caso da França, como escreveu o nosso amigo Daniel Johnson no (conservador-liberal) Sunday Telegraph de ontem (pp. 24-25), a França pode estar em vésperas de uma nova revolução – uma “revolução da direita radical que será vista como uma vitória de Putin”, em confronto com uma nova “Frente Popular que inclui a extrema-esquerda”.  Não seria uma inovação inesperada, acrescenta o conservador-liberal Daniel Johnson, uma vez que, “desde 1789, Paris viveu uma ocupação, dois impérios, três monarquias, quatro revoluções e cinco repúblicas”. Mas terá certamente um impacto tremendo em todas as democracias europeias.

Tem sido dito que a Inglaterra, como é tradição, será uma excepção – uma vez que as próximas eleições de 4 de Julho prenunciam uma vitória esmagadora do Partido Trabalhista de Sir Keir Starmer, agora enfaticamente recentrado. Este fantástico recentramento pode ser testemunhado na conversa com o Financial Times deste passado fim de semana (“Lunch with the FT”, p.3); ou ainda no incrivelmente pró-mercado artigo do próprio Sir Keir na edição de ontem do Sunday Telegraph (“Economic growth is the only solution to Britain’s problems – and we will deliver it”, p. 23).

Esta excepção inglesa será por isso até certo ponto confirmada pela previsível vitória esmagadora do Partido Trabalhista – de novo confirmadamente centrista, fazendo lembrar os bons velhos tempos de Tony Blair. Mas resta saber o que acontecerá ao ancestralmente centrista Partido Conservador. Sondagens recorrentes apontam para uma derrota eleitoral confrangedora, possivelmente associada a uma votação muito expressiva no chamado Reform UK – um partido da direita radical, liderado por um tal Nigel Farage, seguidor do radicalismo de Donald Trump (com a única vantagem de, diferentemente de Trump, saber abotoar o casaco).

Isto significa que a vitória centrista dos Trabalhistas poderá vir a ser acompanhada de uma derrota eleitoral inédita do mais antigo partido do mundo – o Conservative Party, fundado em 1834, tendo emergido do Tory Party, fundado em 1680 (como muito bem recorda Daniel Hannan, também no Sunday Telegraph, p. 23).

A este propósito, vale também a pena recordar que outro conservador-liberal, o também nosso amigo Charles Moore, biógrafo autorizado de Margaret Thatcher, sublinha no Daily Telegraph de sábado a gravidade intelectual e política do presente cenário euro-atlântico, com a emergência de uma direita radical e de uma esquerda radical, em tudo contrárias à tradição democrática-liberal do Ocidente.

Lord Moore considera por isso solenemente que chegou a altura de promover um estudo e reflexão globais sobre as tradições da direita, e também da esquerda, democráticas na cultura e civilização ocidentais. Anuncia, aliás, que o tema será objecto de um novo programa de investigação no Think Tank conservador-liberal designado por Policy Exchange.

Em suma, tempo de estudar e de ponderar.

Post Scriptum: Sinto-me na obrigação de apresentar as minhas desculpas aos eventuais leitores regulares desta minha coluna pela ausência nas passadas três crónicas quinzenais (seis semanas). A ausência deveu-se a uma visita académica de seis semanas em Oxford, onde fui absorvido por debates, reflexões e leituras sobre precisamente o tipo de problemas que refiro na presente crónica. Seguiu-se a 32ª edição do Estoril Political Forum, de 3 a 5 de Junho no Hotel Palácio do Estoril, em que os mesmos problemas estiveram sob intenso debate e intensa reflexão. Espero agora conseguir retomar a periodicidade quinzenal destas minhas crónicas – apesar do imperativo de parar um pouco para estudar e ponderar.



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