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um palco para a anatomia de uma fortaleza – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Out 17, 2023

Um comboio aproxima-se da estação. Faz um ruído truculento e metálico que cresce à medida que a distância encurta. Passa a grande velocidade. “Esta nossa pequena cidade na fronteira esteve muitas vezes deste lado e, noutras ocasiões, do outro, mas sempre esteve na fronteira”, diz o coro. Estamos defronte de uma velha estação de comboios, numa localidade algures na Europa, perante os seus “habitantes do limite”, abandonados no tempo e esquecidos pela senda do desenvolvimento coletivo. São conhecidos pelas suas sopas e pela produção de lâmpadas. “Nós aqui pedimos muito pouco”, dizem. À sua maneira são também parte do velho continente, onde o progresso também criou margens, lugares periféricos e populações marginalizadas. Assim começa Europa, a peça de David Greig, encenada por Pedro Carraca, com coprodução dos Artistas Unidos, que sobe ao palco do Teatro São Luiz, em Lisboa, de 18 a 29 de outubro.

Os comboios – sinal de desenvolvimento e de industrialização – já ali não param. São apenas miragem no horizonte e alegoria de movimento, através dos quais muitos procuram novos destinos e experiências. A cidade destes habitantes é hoje um lugar vazio, introvertido, marcado pela nostalgia do passado e pelo desejo que muitos nutrem de ali fugir em busca de novas oportunidades. A peça, escrita em 1994, surge como resposta do autor à guerra civil nos Balcãs e às forças da globalização. Quase três décadas volvidas, Europa não perde atualidade, pelo contrário. “Esta realidade está mais presente e vívida do que nunca”, diz o encenador. Um pai e uma filha acampam na estação perante os olhares desconfiados do chefe da dita, Fret, e de Adele, a porteira, que ali gosta de passar o seu tempo a olhar para os comboios que passam. “Há muito tempo que somos soprados de um sítio para outro, foi aqui que viemos descansar. Para já. A falha não é vossa, nem nossa, mas sim dos aleatórios e caóticos ventos dos presentes acontecimentos”, diz a jovem para serenar os ânimos – e perante a aparente falta de empatia do chefe da estação.

Europa adensa-se pela estranheza do desconhecido e da relação que se vai estabelecendo entre as personagens. A falta de empatia e a violência convivem com a solidariedade e a amizade que também se cria no meio dos destroços. De um lado, a vida daqueles habitantes que, mesmo continuando na Europa, se veem colocados na borda e esquecidos pelos centros de poder; do outro, um pai e uma filha, migrantes em busca de uma solução viável para as suas vidas. Parece haver pouca esperança para ambos os lados. São figuras provisórias, marcadas pelos conflitos bélicos e pelas consequências de uma política económica, marcadamente capitalista. Do seu retrato mais simbólico, entramos depois numa esfera mais íntima e privada. É aí que a história destas personagens se desenrola.

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