Um tem 19 anos, a outra 14. Praticam escalada desde pequenos e sonham com os Jogos Olímpicos. A modalidade está presente pela segunda vez no evento. Para eles, ainda não foi desta.
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Debaixo da Ponte 25 de Abril, no clube Escala25, Natércia Crisanto e Gustavo Cunha precisam de poucos minutos para calçar uns ténis específicos — os “pés-de-gato” que permitem muita mobilidade nos dedos dos pés –, colocar o arnês à volta da cintura e preparar o obrigatório saco de magnésio para que as mãos não escorreguem.
A facilidade com que se preparam para nos mostrar aquilo que melhor sabem fazer até permite achar que é simples. Mas não deixa de ser uma ilusão.
para a escalada:
Natércia tem 14 anos. Gustavo tem 19. Ambos chegaram à escalada através dos pais, que praticavam a modalidade de forma amadora, e ambos pretendem chegar longe na modalidade que agora é olímpica e onde Portugal nunca teve qualquer representante.
Cruzam-se connosco em plena época de exames nacionais, a conjugar sessões de estudo com treinos de ginásio de manhã e escalada à tarde.
Preparam-se para subir uma parede de 12 metros, mas para eles isso não é um problema. Nunca tiveram medo das alturas porque começaram muito novos, quando ainda não tinham noção do perigo.
A preparação não é demorada e faz-se através de alongamentos e exercícios de mobilidade com uma atenção especial aos dedos, pulsos, ombros e joelhos. Depois disso, Gustavo e Natércia atiram-se à parede.
A escalada estreou-se nos Jogos Olímpicos na última edição, em Tóquio, onde o espanhol Alberto Ginés López e a eslovena Janja Garnbret se sagraram campeões. Três anos depois, regressa aos Jogos, mas com várias alterações.
Alberto Ginés López e Janja Garnbret nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2020
[Olympics/YouTube]
Em Tóquio, o ouro foi atribuído a um campeão combinado das três vertentes da escalada. Agora serão entregues dois conjuntos de medalhas: um para a velocidade e outro para a escalada desportiva.
Na escalada de velocidade, o objetivo é chegar o mais rapidamente possível ao topo de uma parede de 15 metros e o percurso é sempre igual. Os atletas competem aos pares. O primeiro a chegar ganha a ronda. Os mais rápidos demoram poucos segundos a completar a prova.
Sam Watson bateu o recorde mundial na parede de velocidade na IFSC Climbing World Cup, em abril de 2024, na China
[International Federation of Sport Climbing/YouTube]
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Na escalada desportiva (“lead“), a altura da parede é a mesma do que na parede de velocidade (15 metros), mas o grau de dificuldade da parede é superior e os atletas têm um máximo de seis minutos para conseguirem chegar ao topo. Nesta prova, a estratégia de cada um faz a diferença.
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A escalada da parede tem vários níveis de dificuldade que ficam visíveis através das cores de cada bloco: cada cor representa uma dificuldade e também um “caminho”, ou seja, quando se começa a escalar nos blocos verdes segue-se pela mesma cor até ao final da prova.
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Atualmente, os níveis de dificuldade vão do 4A ao 9B+ — quanto mais alto for o número e mais adiantada for a letra, mais difícil será o caminho. Na larga maioria das paredes, os blocos mais fáceis são brancos, amarelos ou laranjas, e os mais difíceis são azuis, vermelhos ou pretos.
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A dificuldade prende-se com a distância entre os blocos, que vai aumentando à medida que a exigência aumenta, e com o tamanho dos próprios blocos, que pode ser mais reduzido consoante for aumentando o grau de dificuldade. A inclinação da parede é outro fator que interfere na complexidade do percurso.
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Na escalada em bloco (“bouldering”), as paredes são mais baixas, podendo ir até aos 4,5 metros, e há colchões em baixo para amparar as quedas. O objetivo é ver quem consegue completar mais blocos em menos tentativas.
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Tanto Natércia como Gustavo reconhecem que os colegas de escola e os amigos têm alguma dificuldade em entender o que os dois fazem nos tempos livres. “Eu fui campeão nacional e sentia que os meus amigos não percebiam, não valorizavam. Se tivesse sido campeão de uma equipa qualquer de futebol, era muito diferente”, explica Gustavo.
Gustavo é o principal candidato nacional a representar Portugal na escalada nuns futuros Jogos Olímpicos. A qualificação olímpica faz-se através do Campeonato Mundial, das Classificações Continentais e da Olympic Qualifier Series, provas em que o português ainda não participou.
Natércia, por outro lado, ainda não tem a certeza sobre o futuro. Sabe que a escalada é “mais do que um hobby” e que os Jogos Olímpicos são agora “um sonho”, mas tem muitas dúvidas sobre a carreira que quer seguir.
Embora esteja a crescer, a escalada em Portugal ainda não beneficia dos apoios necessários para chegar perto dos Jogos Olímpicos. “A maior parte dos atletas paga para ir às competições internacionais. Têm o nível para ir a um Europeu, mas a Federação não consegue apoiá-los para eles irem à prova”, explica Gustavo, que tem o sonho de ser o primeiro a provar que, mesmo com estas condições, é possível fazer mais e melhor. As finais das provas de escalada terminam este sábado em Paris.