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como Iúri Leitão chegou a vice-campeão olímpico – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Ago 8, 2024

Enviado especial do Observador em Paris, França

A velocidade com que se faz o ciclismo de pista e a adrenalina que um qualquer velódromo cheio como este Vélodrome National de Saint-Quentin-en-Yvelines tem o condão de conseguir encantar qualquer adepto ou não da modalidade. Aliás, basta uma experiência quase ingénua de ir a uma prova onde as regras no final até são fáceis mas que começam por ser algo desconhecido pode ser apenas o início de uma aventura que acaba com a sensação de que fica para sempre marcado. O barulho dos corredores quando passam a todo o gás e que às vezes funcionava quase como uma ventoinha improvisada para a autêntica sauna em que se tornou o recinto, os contactos que vão existindo, as acelerações por fora (e nisso a locomotiva Iúri Leitão é mesmo um rei). A prova de omnium é um desafio à capacidade de fazer várias coisas bem ao mesmo tempo que muitos, ou até uma grande maioria, não conseguiria fazer bem em separado. Nesse “jogo”, o português ganhou.

Algumas coisas podiam ter corrido melhor. No scratch, por exemplo, não seria de espantar que tivesse no final mais uns pares de pontos acima da sétima posição. Na eliminação, se não fosse aquele sino que nunca chegou aos ouvidos do corredor também podia ter sido diferente – sendo que já estava a correr de uma forma partida. A decisão chega mesmo no final, com vários pontos por distribuir, e foi a grandeza de ter esperado por Benjamin Thomas para perceber que ele estava bem e que podia ir à luta de forma justa pelo ouro que ficou como imagem de marca de Iúri Leitão, um novo herói nacional que se expressa tão bem em pista como fora dela. Esta quinta-feira foi dia de festa. Nem sempre a capacidade de resistência, a resiliência, o trabalho e a perseverança são reconhecidas. Aqui, esse prémio chegou em forma de medalha de prata.

Mal acabou a prova, Iúri Leitão teve outro gesto que mostra bem o porquê de ser um campeão do mundo que é tão respeitado pelos adversários, como se viu nos cumprimentos que foi recebendo pelo segundo lugar de vários corredores com quem tinha lutado para ser melhor. Ao passar pelo francês Benjamin Thomas, que tinha ganho o ouro, foi parando até fazer sinal com o polegar em sinal de parabéns. Depois, um pouco mais à frente, parou. Era ali que estava à sua mulher e família, foi ali que deu os primeiros abraços depois do pódio deixando cair a bicicleta que o treinador Gabriel Mendes foi buscar e guardar (afinal, no sábado há mais). A própria forma como desceu depois ao centro do recinto mostrava a inclinação de que estamos a falar, dando aí início ao maior período de felicitações com vários membros das cúpulas do desporto nacional.

Ao contrário do que aconteceu com Patrícia Sampaio, medalha de bronze no judo, nem houve tempo para passar pela zona mista depois da vitória e seguiu-se antes o pódio, com Iúri Leitão a aguentar a emoção no momento em que teve a medalha ao peito mas a não conter as lágrimas quando recebeu o diploma, quase como se ali estivesse a chave para que a ficha caísse. Antes, tinha dado voltas com a bandeira de Portugal a agradecer ao público que encheu o velódromo e aos muitos portugueses presentes, numa imagem que ficou como o grande retrato do dia em que o ciclismo de pista teve o momento mais alto na história.

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“Ainda não sei a que é que sabe esta medalha, ainda não tenho a mínima ideia. Ela já está aqui marcada mas ainda estou a tentar processar. É extremamente especial ter sido o selecionado para representar o nosso país, por mais que para muitas pessoas fosse óbvio para mim não era porque tenho companheiros de equipa muito fortes que mereciam tanto como eu estar aqui e tentei honrá-los e fazer a melhor prova possível, tanto por eles como por toda a Seleção e país. Consegui fazer uma prova muito bem conseguida e estou muito satisfeito por isso”, começou por referir de forma muito humilde Iúri Leitão, não se esquecendo de todos aqueles com quem trabalha num dia que era sobretudo seu, dividindo louros por todo o projeto nacional.

“Quando pensei que a medalha era minha? Nunca! Quer dizer, talvez nos últimos momentos, nas últimas 20 começasse a acreditar um bocado. Estava meio perdido, quando dei a segunda volta pensei que o belga estava comigo, demos uma volta muito rápida e não tinha bem noção, depois a pontuação atualizou e tinha 20 pontos de vantagem. Já estava com as forças muito justas e quando estávamos empatados em pontos estava com medo de ter de me cingir ao bronze, por mais que soubesse que ele já estaria um pouco fatigado. Quando vejo que tinha 20 pontos de vantagem, foi um alívio muito grande e já comecei a olhar mais para cima. Esta corrida foi sempre de trás para a frente, com o objetivo de ficar sempre nos oito primeiros. Sempre respondi mais a quem estava atrás de mim e não a quem estava à minha frente porque também não sabia como é que ia estar no final, é uma prova muito longa e não sabemos quando as forças vão acabar. Comecei de uma forma muito conservadora e no final pude olhar um pouco mais para cima. Fiz a minha última jogada a dez voltas do fim mas o francês estava forte e já não consegui”, admitiu em relação à prova.

Já sobre o momento que podia ter marcado a final, quando Benjamin Thomas caiu levando depois a que um corredor acabasse desqualificado, Iúri Leitão admitiu que não quis forçar o ritmo no sprint seguinte. “Não vou dizer que abdiquei de ir ao sprint a seguir da queda mas quis fazer questão ou quis ter a certeza de que ele estava bem e podíamos discutir o ouro de forma justa. Já estamos num ponto de fadiga tão grande que não processamos bem as coisas, ele cometeu um erro, dois ciclistas à frente subiram e ele caiu. Sinto que seria injusto ele perder o ouro daquela forma. Quis ter a certeza de que voltava e estava bem, sendo que a seguir fazermos um sprint, ficámos isolados e ele está no grupo da frente. Na minha consciência estava aliviado porque ele estava ok e podíamos continuar a nossa batalha, tentei no fim a minha sorte para tentar ganhar o ouro mesmo não conseguindo. Acho que foi o melhor e o mais justo”, admitiu o corredor que nasceu em Santa Marta de Portuzelo, em Viana de Castelo, terra que “parou” para ver o seu filho pródigo.

“Na prova da eliminação não ouvi a campainha, naquela volta ia bastante descontraído, ia ver que ciclistas iam em qual posição e aquilo que teria de fazer para não ser eliminado gastando o mínimo possível. Ia a sentir-me bastante bem e foi uma pena. Não vou dizer que não foi culpa minha porque não sei, não ouvi, muita gente também não ouviu, vou ter de rever a situação para perceber o que é que aconteceu mas não há nada a fazer, a prova mais importante estava à frente e não valia a pena estarmos a martirizar-nos com isso”, relatou ainda a propósito do momento em que acabou por ficar “cortado” na prova de eliminação.

“Esta é uma prova muito importante, não há uma prova mais importante do que esta mas não deixa de ser ciclismo, é a minha profissão mas faço isto por diversão porque adoro, é uma coisa que me dá muito gozo e passa uma adrenalina muito boa. No final, é só mais uma competição com os melhores ciclistas do mundo e é um gosto enorme poder partilhar a pista com eles e lutar com eles ombro a ombro. Só tenho de estar agradecido e contente por estar aqui, não vale a pena estar com stresses desnecessários. Caras conhecidas? É difícil descrever, vejo que toda a gente está muito contente, também estou super alegre, mas ainda não sei ainda ao que sabe. No final é só mais uma corrida e trazer este resultado é especial mas ainda não sei quão especial é”, reforçou, não só sobre a descontração apresentada mas também por toda a festa.

“Acho que não vai mudar grande coisa na minha vida, tenho feito o meu trabalho sempre. No ano passado fui campeão do mundo, este ano consegui confirmar o meu lugar entre os melhores ciclistas do mundo e acho que não vai mudar grande coisa porque vou continuar a fazer o mesmo trabalho de sempre, à procura de oportunidades para mostrar o meu valor. Evolução do ciclismo de pista? Não digo que seja o culminar até porque como nós pudemos ver, não temos uma equipa de perseguição ainda, não temos meios para poder ter, é o ponto mais alto do ciclismo de pista até ao momento mas ainda temos mais para evoluir e podemos fazer muito mais como equipa, país, Federação. Sinto-me honrado por ser o representante que está com esta medalha ao peito e a dar esta alegria a Portugal mas há muito trabalho pela frente”, frisou.

O que falta? O mesmo de sempre, investimento, apoio, tempo que também se compra, é mesmo assim… Essas condições têm vindo a ser melhoradas também pelo nosso trabalho redobrado, temos feito omoletes sem ovos mas cada vez nos dão mais ovos para fazermos omoletes mais bonitas e já estamos a fazer bolos. Quem sabe se não fazemos algo melhor”, salientou.

Em paralelo, o vice-campeão olímpico e campeão mundial falou também das marcas que tinha nas mãos, bem visíveis enquanto falava na zona mista a transpirar com um calor que era igual na bancada de imprensa ou na pista. “Estas cicatrizes nas mãos foi por causa de um imprevisto na minha preparação para os Jogos, tive uma queda há três semanas a descer enquanto treinava, tentei manter o máximo sigilo possível para isso não afetar nem a minha cabeça nem espalhar isso para fora, para os adversários e para os portugueses, porque se já é uma situação difícil estarmos aqui, se acrescentarmos esse fator a coisa ainda agrava. Tudo cresce e por isso tentei manter ao máximo para mim, muitos dos meus companheiros só vão agora saber disso mas o ciclismo de estrada acaba por ser um pouco castigador para o nosso corpo mas é assim mesmo. Tenho eu, o ciclista que ganhou, o que fez último, todos já sofremos quedas graves”, destacou.

E de “surpresa” em “surpresa”, Iúri Leitão confirmou ainda que teve mesmo um problema durante a prova de eliminação do qual se ouvira apenas o barulho no recinto. “Vou-vos contar uma novidade, logo no início da prova partir a roda, tive um contacto com um ciclista e parti a roda. Fiz um buraco enorme na roda, se forem ver as imagens na última prova já levava uma roda diferente na frente porque é uma prova muito violenta… Como é que se aguenta? Aguenta-se sofrendo mais a treinar do que a competir, nós treinamos para isto, nós passamos dias muito complicados para estarmos aqui o melhor possível e quanto mais sofrermos a treinar, menos vamos sofrer por estarmos aqui. Para estarmos a discutir com os melhores do mundo temos de estar preparados para isto”, concluiu Iúri Leitão, que deixou também uma palavra aos companheiros que não ficaram selecionados. “E no sábado há mais”, atirou ainda enquanto ia ser conduzido para a habitual conferência de imprensa que existe depois da cerimónia protocolar do pódio.





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