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Plano Nocional de Leitura (XIII) – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Out 29, 2023

Como um anão no fim de um dia de trabalho Camilo Pessanha (1867-1926) volta a casa e encontra tudo desarrumado. É esta a situação inicial de um dos seus poemas mais conhecidos, o soneto que começa por “Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho.” Nas duas quadras faz um inventário pormenorizado dos estragos: lençóis rasgados, girassóis arrancados, uma mesa partida, lenha espalhada e vinho entornado. Ao mesmo tempo repete várias vezes a mesma pergunta: quem terá sido o responsável por todos esses desastres domésticos?

Temos a impressão reiterada de que, apesar de todas estas perguntas, Camilo Pessanha sabe muito bem quem lhe desarrumou a casa; mas nunca nos diz directamente quem foi. Uma possibilidade é a de não querer dizer aquilo que não obstante pretende dizer; outra, a de não conseguir dizer directamente aquilo que quer; outra ainda, a de que não quer dizer aquilo que diz. Haverá um elemento policial em tudo isto; mas como num poema não há provas independentes daquilo que lá se diz, temos que nos socorrer da subministração parcimoniosa que Pessanha faz da sua versão dos factos.

Em vez de nos comunicar quem acha que lhe virou tudo do avesso, Pessanha começa a segunda parte do soneto a falar com a mãe sobre assuntos aparentemente não relacionados com o incidente. Não se trata bem de uma conversa, porque a mãe já morreu e não responde. Parece que no entanto se move; só isso explica a apóstrofe maravilhosa de Pessanha: “Ó minha pobre mãe!… Não te ergas mais da cova.” É o verso mais incompreensível do poema, mas é também o mais cómico: Camilo Pessanha, exageradamente famoso por ter escrito coisas plácidas com ar chinês, é sempre melhor a exprimir o que verdadeiramente o alarma através de melodramas de altas temperaturas. São porém sempre melodramas sem informações úteis. Não nos é explicado nada, e decerto não aqui os meios que a mãe usou para se locomover.

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