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Sai o Estado Social, entra o Estado Sociável – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Out 31, 2023

Segundo Fernando Araújo, director-executivo do SNS, amanhã entramos no pior mês de sempre nos serviços de urgência. Em caso de emergência médica, os utentes portugueses arriscam-se a não serem atendidos num hospital. Como é óbvio, a maioria dos portugueses encarou o aviso como uma ameaça. É o histerismo do costume, sem razão de ser. O encerramento das urgências é apenas mais um passo na grande reforma estrutural que o Governo está a implementar: a substituição do Estado Social pelo Estado Sociável. O Estado Social foi uma conquista de Abril de 74; o Estado Sociável é conquista de Novembro de 23. Há quase 50 anos houve uma revolução e o país comprometeu-se a providenciar serviços aos seus cidadãos; agora há uma devolução e o país diz “tratem vocês disso, pá”.

No Estado Social, uma pessoa dirige-se ao hospital da sua área de residência, é atendido e volta para casa. Se não for uma urgência, telefona e marca consulta com o médico de família. Chegado o dia, dirige-se ao Centro de Saúde, é atendido e volta para casa. É um modelo arcaico e isolacionista. Numa altura em que há cada vez mais idosos a viverem sozinhos, um Estado Social com serviço de saúde competente, que despacha serviço, potencia a solidão. Daí o Estado Sociável apostar num SNS que funciona mal: é para fomentar o convívio. Ao dormirem à porta do Centro de Saúde para tentarem tirar a senha que talvez permita a marcação de uma consulta com um médico que pode ou não existir, os utentes são obrigados a conviver uns com os outros. Há muitos velhinhos que já só conversam com os companheiros do saco-cama ao lado. Nestes acampamentos, guarda-se o lugar quando o vizinho tem de ir à casa de banho ao café mais próximo, trocam-se dicas sobre os cantos da rua que cheiram menos a xixi de cão, comparam-se tempos passados em listas de espera, há entreajuda e solidariedade. Tudo o que falta na frieza de um atendimento eficiente que apenas trata a doença do doente e não a sua vontade de fofocar.

Outro benefício do Estado Sociável é a ênfase na sustentabilidade. Ao mesmo tempo que esperam, os utentes aproveitam restos de medicamentos uns dos outros. O antibiótico para a amigdalite que sobrou a alguém vai servir para a infecção urinária dum camarada. A ligadura que endireitou a entorse de uma velhinha, vai servir para o pulso de outra. Algálias em segunda mão também têm procura.

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