• Sáb. Out 26th, 2024

Feijoada Politica

Notícias

Como funcionam os preços dinâmicos que chocaram fãs dos Oasis e porque são ilegais em Portugal (apesar de já terem sido pedidos)? – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Set 15, 2024

Passavam poucos minutos das 8h25 de sábado, 31 de agosto, quando Joana Azeiteiro se sentou à frente do computador para entrar na conta que tem na Ticketmaster, a conhecida plataforma internacional de bilhetes para espetáculos. Faltava ainda mais de meia hora para serem postos à venda os bilhetes para o regresso dos Oasis com ambos os irmãos Gallagher em palco.

Aos 26 anos, Joana já viu os irmãos Liam e Noel ao vivo em Portugal — mas separados. Para Joana, o reencontro dos líderes do grupo foi uma surpresa. “Sempre que falava com alguém sobre um possível regresso dos Oasis, achava que seria uma questão pontual”, como um festival ou algumas datas no estádio de Wembley, admite.

Oasis anunciam primeira tour em 15 anos. Reino Unido e Irlanda vão receber 14 concertos no verão de 2025

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No final de agosto, a banda anunciou várias datas para o verão de 2025, mas com uma particularidade: só seria possível comprar bilhetes online, nas versões britânicas das plataformas Ticketmaster, See Tickets e Gigsandtours, a 31 de agosto. Joana, que já tinha experiência com vendas online concorridas, colocou-se em campo. Registou-se no site da banda, “com todos os emails que tinha”, para entrar no sorteio que permitiria ter um código de acesso à pré-venda. Respondeu a questões sobre os músicos e lá conseguiu um acesso.

Logo na sexta-feira de manhã, 30 de agosto, já estava a postos para tentar a sorte. “Correu bem, despachei-me em 15 minutos.” Conseguiu comprar quatro bilhetes, o máximo permitido por fã, para Manchester. Cada um rondou os 180 euros de preço facial, revela. Com as taxas de serviço usadas pela Ticketmaster, que são acrescentadas ao bilhete, o custo total quase chegou aos 200 euros por pessoa. Depois ainda há que adicionar questões como voos e alojamento.

No primeiro dia do Rock in Rio Lisboa, o rock foi soberano

No dia seguinte, quando abriram as vendas “de facto”, logo às nove da manhã, a experiência foi outra. “Já estava segura, mas queria tentar outro bilhete.” Só que, ainda a mais de meia hora do arranque da venda, Joana já encontrou uma fila de espera virtual. “Estás na fila, há muitos fãs à tua frente”, surgiu no ecrã. “Acedi à bilheteira às 9 horas em ponto. Fiquei com 74 mil pessoas à frente.”

Só às 13h30 é que conseguiu aceder à área do site da Ticketmaster onde é possível ver os bilhetes à venda para Wembley. E foi aí que se deparou com bilhetes a preços dinâmicos, que fizeram com que um bilhete para a plateia em pé passasse a custar 358 libras (423 euros), quando inicialmente foi anunciado a 135 libras (160 euros). Joana Azeiteiro admite que foi “tentador ver os bilhetes ali à frente”. “No outro dia lia na internet que estas situações são comparadas à adrenalina de um casino. Está-se ali e os números deixam de fazer sentido.” Além disso, há a pressão de tempo — cada utilizador tem poucos minutos para concluir a compra. Após horas em filas, num processo que considera que “para um consumidor dito normal, não é um processo de bilheteira habitual”, desistiu. “Eu já tinha bilhetes e não ia dar aquele valor. A minha sorte foi a pré-venda.”

Luísa Almeida, de 28 anos, e Fran Green, de 26 anos, conseguiram bilhetes para o concerto de Edimburgo, na Escócia. Também se depararam com os bilhetes a preços mais elevados do que era suposto, de cerca de 350 libras para a plateia. “Entrei na fila e até avançou rapidamente, tinha quatro mil pessoas à frente”, começa por explica a britânica, que vive em Portugal. “Quando entrei — e era algo que estava a acontecer a muita gente — a Ticketmaster não deixava adicionar os bilhetes ao cesto, estava constantemente a carregar a página. Ao fim de uma, duas horas, conseguia-se, mas com preços mais altos. Mas já sabia que a Ticketmaster ia fazer isto, vou a muitos concertos e compro bastantes bilhetes.”

Já às 13h30, conseguiram três bilhetes nas outras plataformas de venda, a See Tickets e a Gigsandtours, com os preços que foram previamente anunciados. Num dos casos, conseguiram mesmo a opção mais barata, de 75 libras mais taxas. “Na Ticketmaster acho que não deixam aceder às opções mais baratas”, lamentam. “A See Tickets esteve muito tempo sem carregar, portanto passado algum tempo ainda havia bilhetes.”

As experiências ouvidas pelo Observador são uma ínfima parte de uma venda que alguma imprensa britânica já classificou de “fiasco” e que já motivou duas investigações à prática da gigante de bilhética Ticketmaster, que é controlada pela Live Nation. A CMA e a CCPC, as Autoridades da Concorrência do Reino Unido e da Irlanda, respetivamente, querem analisar se foram cumpridas todas as regras de proteção do consumidor nesta corrida aos bilhetes. As principais dúvidas estão ligadas à transparência na formação de preço.

Governo britânico vai investigar preços da venda de bilhetes para os Oasis

As queixas chegaram ao parlamento britânico. “É ótimo que os Oasis se tenham juntado, acho que metade do país tentou comprar bilhetes, mas acho que é deprimente ouvir sobre os aumentos de preços”, disse o primeiro-ministro Keir Starmer a 4 de setembro. Prometeu ainda o início de trabalhos para avaliar fenómenos como os preços dinâmicos e a revenda de bilhetes para espetáculos a “preços exorbitantes”.

Os bilhetes com preços dinâmicos assentam numa das leis mais conhecidas da economia: a lei da oferta e da procura. Ou seja, se há uma maior procura por bilhetes, os preços tendem a aumentar. A Ticketmaster chama à prática “tickets in demand”, bilhetes com procura, numa tradução livre, e usa-a desde 2022. Na altura, na febre do regresso aos concertos após a pandemia, argumentou que a opção permite “dar aos fãs um acesso justo e seguro para comprar lugares a preços impulsionados pelo mercado”, que “são ajustados de acordo com a oferta e a procura”. A empresa explicou ainda que é uma opção “disponibilizada aos artistas e aos organizadores de eventos”, pensada também para evitar problemas com bots durante a compra.

No meio de tudo isto, levantaram-se dúvidas sobre quem tomou a decisão de acionar a tarifa dinâmica na venda da Ticketmaster. “É necessário que seja claro que os Oasis deixam as decisões sobre bilhetes e preços inteiramente a cargo das suas promotoras e gestão”, disse a banda em comunicado. A banda admitiu que a estratégia acordada “entre promotoras, a Ticketmaster e os gestores da banda para garantir uma experiência justa para os fãs, incluindo preços dinâmicos para ajudar a manter os preços gerais baixos (…) falhou em relação às expectativas”.

Não é a primeira vez que a Ticketmaster está na berlinda pela forma como gere uma venda de bilhetes com grande procura. Em 2022, o site não aguentou a procura por bilhetes para a digressão norte-americana de Taylor Swift, gerou-se a confusão e até houve uma audição no Senado para apurar se a empresa abusou ou não dos preços. Porém, nesse caso, Swift escolheu não usar os preços dinâmicos.

Swiftonomics. Será Taylor Swift a conseguir quebrar o alegado monopólio da Ticketmaster?

Apesar da contestação dos fãs, no Reino Unido e também nos EUA, os bilhetes com preços dinâmicos estão de acordo com a legislação. É um fenómeno semelhante ao que já acontece com os preços das viagens de avião, dos hotéis ou mesmo dos conhecidos TVDE. Os bilhetes para os Oasis não foram os únicos a ser alvo desta prática: ingressos para espectáculos de artistas como Harry Styles, Coldplay ou as Blackpink também já passaram por este método. Em 2022, quando foram postos à venda nos EUA os bilhetes para a digressão de Bruce Springsteen, a Ticketmaster também ativou o modelo. Choveram críticas quando os bilhetes chegaram aos cinco mil dólares.

Bruce Springsteen: bilhetes da “tour” vendidos a preços “exorbitantes”. Fãs estão indignados

Em Portugal, os preços dinâmicos não são permitidos, portanto não é uma opção usada, explicam promotoras e empresas de bilhética ouvidas pelo Observador sobre o tema. A Inspeção-Geral das Atividades Culturais (IGAC), que supervisiona esta área, diz não ter conhecimento da aplicação do modelo em Portugal, mas já foi abordada sobre o assunto. “É um tema sobre o qual fomos questionados há uns tempos”, explica Luís Silveira Botelho, inspetor-geral da IGAC, concretizando que a questão partiu de um promotor, sem acrescentar mais. “Estamos, ainda, a consolidar um entendimento e a medir as implicações à luz da vária legislação em vigor com interferência nesta questão”, refere.

Há vários elos na cadeia que faz mexer um espetáculo ao vivo em que pode ser acionado o modelo de preços dinâmicos nos bilhetes. Álvaro Covões, o diretor da Everything is New, explica ao Observador que a “decisão pode ser estratégia do artista, da promotora ou até do operador da digressão, de quem monta a tournée. Às vezes as decisões não vêm do mesmo”. Confessa que a promotora, responsável por festivais como o NOS Alive e que já trouxe a Portugal nomes como Eddie Vedder, Coldplay ou Dua Lipa, já recebeu questões sobre essa prática. “Já nos solicitaram se poderíamos fazer preços dinâmicos, porque na digressão havia essa intenção. Respondemos sempre que em Portugal não é possível.”





Source link

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *