• Seg. Set 23rd, 2024

uma relação de distâncias e de aproximações – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Set 22, 2024

Alguns vão sendo públicos e menos discretos. Ao lado Luís Montenegro, em plena vaga de incêndios, Marcelo apareceu a lembrar que, “por muito que os políticos sintam obrigação moral de ir mais perto do que se passa, por respeito aos operacionais não devem intervir onde não são chamados”. A frase foi interpretada como uma indireta para Luís Montenegro, depois das imagens do primeiro-ministro num barco durante as buscas dos militares que sofreram um acidente de helicóptero no Douro — e Marcelo sabe do que fala, depois de, em 2018, a Comissão Técnica Independente criada por causa dos incêndios de 2017 ter sancionado a “presença de altas autoridades” no terreno por “perturbar os trabalhos do comando”.

Apesar de tudo, Marcelo aceitaria na mesma semana presidir ao Conselho de Ministros extraordinário convocado exatamente para o efeito e juntar-se-á de novo na reunião para criar a equipa especializada para investigar os incêndios de origem criminosa — era Montenegro outra vez a jogar em dupla num momento particularmente difícil para o país e para o Governo. Mesmo sem estreita cumplicidade que António Costa sempre alimentou junto de Marcelo Rebelo de Sousa até à conquista da maioria absoluta, Montenegro percebe que, nestes momentos e apesar de toda a imprevisibilidade de Marcelo, o Presidente da República pode ser um aliado e um escudo importante.

Em seis meses de coabitação, é a segunda vez que essa aliança circunstancial se torna evidente. Durante o verão, em plena crise das urgências, o primeiro-ministro apareceu ao lado do Presidente da República a visitar o Hospital de Santa Maria, em Lisboa. O colo presidencial confortou um Governo que tinha criado expectativas sobre a resolução dos problemas na Saúde. Mas até esse apoio, esse colo, foi negociado entre Palácios em termos pouco habituais.

Marcelo vinha há muito insistindo com Montenegro para que aparecesse a falar ao país sobre a situação nas urgências. Para Belém, quanto mais tempo passasse sem que o Governo aparecesse, maior seria o alarme social que se iria gerar. Mas o primeiro-ministro terá resistido sempre — dependendo de quem o analisa, há quem veja nessa característica psicológica de Montenegro um traço de “teimosia” ou de “determinação“. Montenegro acabou por ceder, mas decidiu as regras do jogo: iria ao terreno, falaria ao país, fazer-se-ia acompanhar pelo Presidente da República, mas num ambiente que fosse controlado pela ministra — o Santa Maria, que Ana Paula Martins liderava antes de ir para o Governo.

Também nessa ocasião Marcelo fez questão de assinalar que não passa cheques em branco. É certo que apareceu ao lado de Montenegro para ajudar o Governo num momento difícil, mas não há apoios de graça. Em três ideias, o Presidente da República criticou as ilusões alimentadas durante a campanha eleitoral, exigiu resultados dentro de um ano e prometeu vigilância permanente. “O plano do Governo criou expectativas muito altas quanto ao calendário fixado. É preciso encontrar soluções o mais rápido possível para que a situação não se verifique no ano que vem. Espero bem que aquilo que se vive este ano já não seja vivido. Tenciono ao longo das próximas semanas e meses fazer o acompanhamento das medidas.”

Ultrapassada a fase mais dramática dos incêndios, a agenda mediática e política tenderá a regressar à normalidade. Nesse sentido, a evolução da relação entre Marcelo e Montenegro dependerá — e muito — da forma como for conduzida a sucessão de Lucília Gago, a grande prioridade política do Presidente da República. Marcelo já deu todos os sinais de que espera ser mais envolvido na escolha e de que estará frustrado com a forma como Montenegro tem gerido (com grande reserva) todo o processo. Está nas mãos do primeiro-ministro evitar comprar essa guerra e, para isso, muito dependerá da escolha que apresentar ao Presidente da República.

Até ao momento, as coisas não têm corrido particularmente bem nesse aspeto. A forma como Luís Montenegro tem gerido o processo tem causado alguma apreensão em Belém. Na escolha de Lucília Gago, António Costa foi tratando com Marcelo Rebelo de Sousa ao longo de sensivelmente um ano, partilhando uma ideia de perfil, até os dois acertarem a posição final. Agora, segundo os (poucos) sinais que Luís Montenegro vai dando, a grande preocupação do primeiro-ministro é acertar na ideia de perfil, primeiro, e depois encontrar a figura que melhor se encaixa nesse perfil. A metodologia está a levantar algumas reservas em Belém: de tanto imaginar e ponderar, pode chegar a um momento em que se encontra, não a pessoa a certa para o cargo, mas a menos má.





Source link

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *