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Por que tantos jogadores de futebol europeus estão indo para o Brasil

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Set 22, 2024

Um segmento recente de um boletim esportivo na televisão brasileira capturou com clareza a excitação — e a perplexidade — causada pelo fluxo de jogadores europeus.

Tudo começou com uma montagem de gols marcados por Memphis Depay, contratado pelo Corinthians na semana passada, em uma jogada que deixou grandes setores da torcida do clube paulista em delírio. Clipes de torcedores imitando a comemoração de gol com os dedos nos ouvidos, marca registrada do atacante holandês, foram apenas uma pequena amostra do que pode ser esperado nos próximos meses.

Depois vieram imagens de outros jogadores: o internacional dinamarquês Martin Braithwaite; Maxime Dominguez, um meio-campista da Suíça; o francês Mohamed El Arouch, de 20 anos; o ex-lateral do Norwich City e do Newcastle United Jamal Lewis.

Todos assinaram com clubes no Brasil desde o fim da temporada europeia de 2023-24. O segmento de TV brincou chamando o resumo de “Tour de Gringos Aleatórios”.

No entanto, isso nem é tudo. A versão completa da lista também incluiria o ex-jogador francês Dimitri Payet, que joga pelo Vasco da Gama desde agosto de 2023, e Tobias Figueiredo, ex-jogador de Portugal nas categorias de base e agora no Criciúma por empréstimo do Fortaleza. O espanhol Hector Hernandez é um possível parceiro de ataque para Depay no Corinthians. Há também Yannick Bolasie, também no Criciúma. Ele pode ter jogado 50 vezes pela República Democrática do Congo, mas nasceu na França e foi criado na Inglaterra, o que o torna europeu o suficiente para ser considerado uma importação do que os brasileiros chamam de Velho Continente.

É uma tendência chamativa, não importa como você a veja. Já houve europeus no Brasil antes — o meia sérvio Dejan Petkovic é considerado uma lenda no Flamengo e Clarence Seedorf teve um memorável período no final da carreira no Botafogo — mas nunca antes houve tantos de uma vez na era moderna. Com os números provavelmente aumentando ainda mais, parece um momento apropriado para fazer a pergunta óbvia: o que diabos está acontecendo?

Por um lado, as leis que regem o uso de jogadores de fora do Brasil estão afrouxando. Dois anos atrás, os clubes podiam usar no máximo cinco estrangeiros em um elenco de dia de jogo. Isso foi alterado para sete em 2023. Em março, os clubes da primeira divisão do Campeonato Brasileiro votaram por unanimidade para aumentar o limite novamente, até nove.

O impacto dessas alterações foi sentido mais intensamente na América do Sul. O Brasil absorveu talentos da Argentina, Uruguai e seus outros vizinhos por anos; agora eles podem realmente se soltar. O atual líder da liga, o Botafogo, tem seis sul-americanos não brasileiros em suas fileiras, assim como o segundo colocado Palmeiras. O Grêmio, a casa tradicional de muitos desses “hermanos”, tem nove. A margem de manobra extra, no entanto, também trouxe outros mercados para a equação.

Ajuda que o futebol brasileiro tenha, em termos gerais, se tornado mais receptivo a vozes externas na última década. Os treinadores portugueses Jorge Jesus e Abel Ferreira têm desfrutado de enorme sucesso, abrindo caminho que muitos outros seguiram. A federação local de futebol queria romper com a tradição e nomear Carlo Ancelotti como treinador da seleção masculina. O financiamento do exterior levou à modernização nos bastidores. Faz sentido que esses padrões sejam replicados em campo também.

É tentador ver a onda de europeus como um sinal de que o jogo brasileiro está prosperando. De longe, pode-se supor que os clubes brasileiros adquiriram o poder financeiro para competir por jogadores que eles não teriam conseguido contratar antes, ou os tipos de redes de olheiros internacionais que seriam um anátema para as gerações passadas. Talvez as mudanças estruturais recentes — a lei de 2021 que permitiu que os clubes se tornassem empresas públicas (SAFs), o aumento do investimento estrangeiro, a conversa sobre uma liga separatista — tenham movido o Campeonato Brasileiro para cima no mundo.

Isso, no entanto, seria uma leitura incrivelmente otimista. Seria uma coisa se essas contratações estivessem concentradas entre clubes que têm seus atos juntos, mas não há correlação real. O Grêmio, que contratou Braithwaite para substituir o falecido Luis Suarez em julho, está em uma base financeira sólida, por exemplo, mas o Corinthians tem dívidas de mais de dois bilhões de reais (£ 278 milhões, $ 368 milhões). Se Depay não puder ajudá-los a sair da zona de rebaixamento nas 12 partidas restantes da temporada, eles enfrentarão a ruína financeira.


Martin Braithwaite jogando pelo Grêmio no mês passado (Albari Rosa/AFP/Getty Images)

Para Rodrigo Capelo, maior especialista em finanças do futebol brasileiro, a recente onda de chegadas de europeus não é motivo para entusiasmo.

“Essas contratações recentes parecem muito mais uma moda passageira do que algo estratégico ou baseado em mudança estrutural no futebol brasileiro”, diz O Atlético. “Oportunidades surgiram e os donos de clubes sentiram que eles cairiam bem com os fãs. No passado, eles só contratavam brasileiros ou sul-americanos. Agora eles também têm a chance de contratar jogadores europeus. Eles ficam bem nas fotos.”

A comparação entre Seedorf e Depay é interessante. Seedorf tinha 36 anos e já estava bem além do seu auge quando se juntou ao Botafogo em 2012. Depay tem 30 anos e ainda é um pilar da seleção holandesa. Seria um exagero chamar isso de golpe, já que nenhum dos principais times da Europa pareceu querê-lo neste verão, mas não parece nada.

Depay fez questão de se pintar como uma espécie de enviado do futuro em sua primeira entrevista coletiva do Corinthians. “Sempre viemos para levar os talentos brasileiros para a Europa porque eles têm algo especial”, disse ele. “Esta liga precisa de uma luz do outro lado. É hora de mostrar seu potencial. Isso vai acontecer nos próximos anos.”

Capelo não está convencido. “Seria positivo se isso fosse um sinal verdadeiro de que o futebol brasileiro está ficando mais forte, mais lucrativo, mais responsável, mais sustentável”, ele diz. “Se isso fosse verdade, seria legal passar essa mensagem para o mundo todo contratando jogadores que ainda estavam em demanda no mercado europeu, mas não é o caso.

“Nenhum dos jogadores aqui hoje conseguiu encontrar clubes na Europa. É interessante que eles tenham visto o Brasil como uma alternativa, mas isso não muda nossa imagem no cenário global.”

Para Capelo, o exemplo de Seedorf também serve como um conto de advertência. Apesar de toda a excitação sobre essa contratação, apesar de Seedorf ter se mostrado uma inspiração em campo, a mudança também simbolizou o tipo de irresponsabilidade financeira que tantas vezes definiu o jogo brasileiro. Quando os acordos de patrocínio e uma rodada de bônus de TV que financiaram a chegada de Seedorf secaram, o Botafogo foi deixado à beira do colapso. Um ano após a aposentadoria do holandês, eles foram rebaixados para a Série B.


Seedorf jogando pelo Botafogo em 2013 (Ricardo Ramos/Getty Images)

Uma década depois, muita coisa mudou. A ascensão dos SAFs, incluindo Botafogo, Cruzeiro, Fortaleza e Bahia, tem sido amplamente creditada por trazer novas ideias e investimentos muito necessários. O modelo de propriedade também tende a moldar a política de transferência: sem eleições presidenciais a cada poucos anos, há menos tentação para esses clubes de irem atrás de contratações chamativas e de grandes nomes que poderiam ter influenciado os fãs no curto prazo.

O Botafogo, por exemplo, gastou muito neste verão, mas em jogadores que poderiam razoavelmente esperar aumentar em valor. “Gastamos € 20 milhões em Luiz Henrique (do Real Betis), o que não é grande coisa na Europa, mas foi uma taxa recorde no Brasil”, conta John Textor, o dono da SAF do clube. O Atlético. “Depois quebramos de novo para Thiago Almada (do Atlanta United). Mas achamos que esses são investimentos e também investimos dinheiro em nossas instalações. Quando (o ex-zagueiro do Manchester United) Alex Telles chegou, ele me disse que nosso campo de treinamento é o melhor de qualquer clube em que ele jogou.”

Esses avanços não foram universais, no entanto. Capelo, por exemplo, ainda vê semelhanças persistentes com a era Seedorf. Ele aponta para o recente boom na indústria de apostas brasileira, que trouxe dinheiro para o jogo, mas pode não ser sustentável. “Certas práticas ainda se assemelham às do passado”, diz ele. “Muitos clubes estão gastando dinheiro que não têm.”

Você pode entender o apelo aos jogadores. Há rumores de que Depay esteja ganhando cerca de £ 96.000 (US$ 127.000) por semana no Corinthians — não é o melhor salário europeu, mas dificilmente é algo para se desprezar. Ele provavelmente será um dos melhores jogadores da liga. Assim como Telles, ele ficou impressionado com as instalações de seu novo clube. “A estrutura aqui é semelhante (à dos principais clubes europeus), talvez até melhor em alguns aspectos”, disse Depay em sua apresentação.

Também há intangíveis. O estilo de vida disponível para jogadores de futebol ricos no Brasil será marcadamente diferente daquele que eles podem experimentar na Arábia Saudita, digamos. Há também o fascínio de jogar no que Depay chamou de “a Meca do futebol”, além do inegável sentimento de aventura em tudo isso.

É muito menos claro se acordos como esse auguram algo bom para a liga. Bolasie está rapidamente se tornando um herói cult para o Criciúma, mas não seria nenhuma grande surpresa se algumas das outras contratações seguissem o mesmo caminho de Jese e Hugo Mallo, dois espanhóis que apareceram no ano passado e causaram impacto mínimo. E embora nem todas as contratações europeias representem grandes apostas financeiras, ainda parece haver um apetite pelo extravagante: os vencedores da UEFA Champions League, Mario Balotelli e Sergio Ramos, foram associados a movimentos lucrativos nos últimos meses.

Quanto a Depay, seu contrato inclui uma cláusula de escape caso o Corinthians seja rebaixado. O acordo foi amplamente financiado por um dos patrocinadores do clube, uma empresa de apostas.

“Essas mudanças não acontecem porque o futebol brasileiro ficou mais rico”, diz Capelo, “mas porque ainda há muita irresponsabilidade”.

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(Foto superior: Memphis Depay treinando em São Paulo; por Nelson Almeida/AFP via Getty Images)



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