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Paula caiu, teve dois AVC e ergueu-se uma rede imensa para a levantar – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Set 29, 2024


Quando olha para o que era a sua vida antes daquela manhã de março de 2013, Paula Bastos, agora com 57 anos, consegue dizê-la numa frase: “Era uma louca correria para o abismo.” Sabe bem como vivia: “Tudo para anteontem, tudo muito importante, tudo muito intenso, tudo muito rápido. E a sensação, vaga, de ter de, no próximo ano, abrandar.” Ela explica isso bem no livro que entretanto escreveu, Às Vezes Caímos.

Depois de o despertador tocar, às 7h50, preparou o pequeno almoço e deliciou-se com algumas páginas d’A Peste, de Albert Camus. Um momento de relaxe depois de um fim de semana de treinos intensos, no ginásio. “Aquele dia mudou irremediavelmente a minha vida e a daqueles que me eram (são) ainda mais próximos”, recorda ao Observador.

Estava já a tomar café, depois do suplemento vitamínico que lhe dava “energia para manter o ritmo alucinante em que vivia”, quando o seu lado esquerdo ficou subitamente “tão dormente que parecia não ser meu”. E essa sensação de estranheza levou-a a pensar na possibilidade de estar a ter um AVC. “Pensei em ligar ao 112, mas temi não ser capaz de responder às questões que me fizessem. Ligou à irmã. Mantiveram-se ao telefone, durante os 15 quilómetros que separam Águeda de Albergaria-a-Velha, até Niassa chegar. “Enquanto esperávamos pela ambulância, ela ajudou-me a vestir. Foi só aí que percebi que devia ter caído — estava louça partida no chão.”

Paula recorda desse momento que “mantinha um discurso fluente e normal, só com a sensação de boca ao lado, que nunca tive”. “Sentei-me no sofá, à espera dos profissionais de saúde que, ao chegarem, me fizeram um teste de despiste de AVC: sorria, assobie, repita ‘O rato roeu a rolha da garrafa do rei da Rússia’.”

Chegada ao Hospital Distrital de Águeda, manteve um curto, mas ainda fluente diálogo com a médica. “A partir de uma determinada altura, apaguei e só me lembro de ouvir os seus gritos: D. Paula! Via verde AVC!”. O episódio repetia-se, já em contexto hospitalar.

As lembranças seguintes são já nos cuidados intensivos, no CHUC, e correspondem aos últimos dos sete dias de coma induzido. Ficaria mais três semanas internada. Aos 46 anos, teve de reaprender tudo: a comer, a falar, a andar. Foi transferida para o Hospital Distrital de Águeda, enquanto aguardava vaga nos cuidados continuados do Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro-Rovisco Pais, na Tocha. Entrou a 26 de abril, sendo transferida mais tarde para a reabilitação geral. No seu livro, Paula conta pormenores perturbadores dessa experiência.

Quando regressou ao seu apartamento, em Águeda, após a alta, à fase de euforia “seguiu-se o duro confronto com a realidade e a tomada de consciência – violenta, dolorosa – da perda de uma série de automatismos”. Sempre com João ao seu lado, para quem — admite — este processo “não foi menos violento, nem menos duro, nem menos doloroso”.

“Selávamos cada pequena/grande vitória com abraços e sorrisos. Ao João devo tudo na minha recuperação. Foi ele quem me preparou para voltar a viver sozinha na minha casa”, conclui. Volvidos estes 11 anos, há coisas que nunca voltou a conseguir fazer: limpar os pés, depois do banho. “Ainda hoje tenho que pensar como é que se limpa os pés.” Ou tricotar. E esse era um dos seus prazeres. Quando aconteceu o AVC, tinha nas agulhas um cachecol azul e branco, para o João, precisamente.

Em casa, acabou por não fazer alterações, adaptando-se ela, como forma de reabilitação. Conseguiu voltar a ser autónoma. Conduz, vai às compras, cozinha. “Recuperei o que era fundamental para mim: Autonomia e liberdade”.

Continua a ser professora, mas não voltou a lecionar. Acabou por lhe ser conferida uma incapacidade de 62%. Faz parte da equipa de autoavaliação e é tutora de alguns alunos. No ginásio, faz apenas pilates clínico. E fisioterapia duas vezes por semana. Junta-lhe yoga, em modo online. A professora é, também ela, uma sobrevivente de AVC.

Quando olha para a sua rede, Paula não tem dúvidas de que é “uma privilegiada”. Sabe hoje que “às vezes caímos”— como diz o livro que escreveu —, mas haverá sempre quem a ajude a levantar.

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