• Dom. Out 13th, 2024

A família e os amigos que ajudaram Sérgio depois de uma artéria se romper no cérebro e dos 32 dias em coma que mudaram a vida para sempre – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Out 13, 2024

Sofia atendeu a chamada do marido, orientou-o e, à distância de duzentos quilómetros, voltou a adormecer, naquela madrugada do Dia dos Namorados. Conhece-o melhor que ninguém (namoram desde a faculdade, há vinte anos), e por isso acreditou que fosse uma crise de ansiedade e que na manhã seguinte já tivesse passado. Mas às sete da manhã o telefone tocou. E não era o marido.

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Do outro lado estava Ana Faro, amiga, pediatra de profissão, mulher de Pedro Moreira — o amigo próximo que o acompanhara ao hospital. As notícias não eram boas. Do Hospital de Pombal (onde deu entrada, inicialmente), Sérgio foi transferido para Leiria e de lá para o Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CHUC), já com o diagnóstico.

Sofia foi direta para lá. No caminho, ligou à cunhada, para que avisasse o resto da família. Licenciada em comunicação social, Sofia é uma comunicadora nata. Depois de dez anos a trabalhar em design gráfico, acabou por seguir outro sonho: abriu uma loja de roupa de criança. Foi também por isso que decidiu ficar mais uns dias em Guimarães — ia ver coleções nos dias seguintes. Mas aquele telefonema, às 2h08 da madrugada do último 14 de fevereiro, mudou tudo. “Quando ele me disse que estava com medo, eu assustei-me. Mas como era hábito ele ter esse registo e me disse que já tinha chamado a ambulância, em princípio tudo estava encaminhado. Quando deixei de o ouvir, liguei ao Pedro.”

Mas às sete da manhã Ana comunicou-lhe com voz doce, mas assertiva: “‘Sofia, não tenho outra forma de dizer isto, o Sérgio teve um AVC hemorrágico’. Eu nunca tinha ouvido falar nesse termo”. No caminho entre Guimarães e Coimbra imaginou todos os cenários. Mas nunca conseguirá apagar da memória a imagem do marido, adormecido, nos cuidados intensivos, envolto em tubos e rodeado de máquinas. Nessa fase arranjou uma forma de digerir a dor, a angústia de não saber como – e se – Sérgio iria acordar.

“Eu vinha para casa todos os dias, tinha a Francisca, e tinha que estar forte ao pé dela. Expliquei-lhe que o pai estava com uma dor de cabeça gigante e que durante algum tempo, para ele não sentir tanta dor, os médicos tiveram de o adormecer. Aconselhei-me com a Ana sobre a melhor forma de comunicar o estado do pai. Durante este processo, a minha filha surpreendeu-me todos os dias. À noite, depois de a deitar, faltava-me aqui o Sérgio. E então ‘falava’ com ele todos os dias, enviava-lhe mensagens para o telemóvel (desligado), que ele só leu muito depois, a contar o dia, e como era a minha forma de o sentir. Mandava vídeos da Francisca, porque sabia que haveria coisas de que me iria esquecer.”

No hospital, os dias passavam. Sérgio continuava em coma. Os médicos diziam-lhe “coisas diversas, às vezes díspares, até, também em função das complicações todas que ele foi tendo”. Havia dias em que Sofia regressava a casa contente, outros em que estava de rastos.

“Todos os dias, às sete e meia da manhã em ponto, eu ligava para os cuidados intensivos a perguntar como tinha sido a noite do Sérgio.” Até que, a 16 de março, do lado de lá, a notícia foi diferente: “O Sérgio abriu os olhos”.

“Eu queria muito ver o olhar dele, porque sabia que assim encontraria as respostas que precisava: se ele se lembrava da Francisca, de mim, que era uma coisa que me assustava muito e era uma possibilidade. Quando lá cheguei, percebi que era o Sérgio, sim. Foi muito bom. Um dia e um momento que nunca vou esquecer”.

Começava aí outra fase do processo. Se “o silêncio, durante o coma, o facto de ele não mexer, era aterrador”, a seguir vieram as dúvidas. Poucos dias depois, recebeu a notícia de que ele poderia ir para casa, se houvesse condições para tal. “Fiquei muito contente. E depois falei com a minha amiga Ana e ela voltou a puxar-me para a terra. ‘Olha que não vai ser aquele Sérgio de antes’”. A nível motor, “teve uma recuperação incrível”, diz Sofia. Mas têm sido meses desafiantes, de muita fisioterapia, terapia ocupacional, psicoterapia. Ela aprendeu a tomar notas sobre “tudo aquilo que não percebesse, nas consultas, para perguntar depois, por exemplo, ao neurocirurgião”.

Ao início, Sérgio não dormia. Por indicação do médico, tiveram de lhe tirar o telemóvel. “Ele estava muito confuso e pensava que ainda estava a trabalhar. Nós não sabíamos para quem iria ligar.” Sofia tentava ser uma sombra invisível. “Tentava evitar a ajuda direta, porque sabia que isso o fragilizava”. Por exemplo, no banho, “só ajudava quando percebia dificuldade no equilíbrio. Mas tentei sempre torná-lo autónomo, não infantilizar a situação, porque isso só iria agravar.”

À medida que os meses passam, Sofia acredita que Sérgio conseguirá recuperar-se, embora neste momento “esteja numa fase depressiva, porque tem consciência do que lhe aconteceu”. “Acredito que em breve começará uma nova fase, encontrará novas coisas para fazer, que lhe darão prazer. Porque de facto é uma vida nova, para ele. E para nós. Somos todos outras pessoas.”





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