• Seg. Out 14th, 2024

os momentos e mais de 190 imagens que levamos da ModaLisboa – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Out 14, 2024


Se tanto se apregoa a confort food, não há razão para excluir uma mão cheia de confort looks. Gonçalo Pereira, ou Çal Pfungst, cunhou até melhor expressão: “care wear”, diz-nos no rescaldo do desfile. Falamos de uma roupa “que te cuida, que te ouve, que trata de ti.”. Porque o conforto é fundamental, e não tem que deixar de o ser se lhe acrescentarmos um lado de autor, um pouco mais edgy.

Coube ao finalista do Sangue Novo na edição SS24 abrir a passerelle no último dia de desfiles, na tarde deste domingo. No final, fez voar pequenas chaves para o público — quem não apanhou esta “key to my sexy”, tivesse apanhado. Fontes próximas e bem informadas garantem-nos que não dava para abrir nenhum cofre, mas aludia à trave-mestra da coleção. Numa mostra muito autoficcional, casa é a palavra motora, cheia de labirintos semióticos e somáticos, da poesia de Manuel António Pina ao labiritinto do Minotauro, refletidos nuns chifres que cruzam histórias e conexões à vontade do freguês. “Espero que o espectador possa tirar leituras próprias. Também podem ser os chifres de alguém que foi traído”, ri-se.

Çal Pfungst

E depois a brincadeira dos materiais, inevitável num conjunto que se quer “playful”. A maioria dos tecidos são upcycling. As chitas de Alcobaça vieram de cortinas que já fizeram parte do quarto do designer. Muito tradicionais, porém aqui sujas de líquido negro. “Há esta justaposição de elementos mais românticos e florais com o lado urbano e áspero. Chamo-lhe uma espécie de kitsh surreal punk, mas interessa-me de facto que as pessoas vistam, e que vistam algo mais sonhador e que as transporte.” Para onde será Gonçalo transportado a seguir? “Vou ler”. Se não agarraram nenhuma chave pelo menos apanhem este bom conselho, porque num dia de pesos pesados, o ouro vai para os novatos e a importância de fazer o trabalho de casa.

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A plataforma Workstation serviu ainda de montra ao trabalho de Bárbara Atanásio, uma das duas vencedoras da última edição do concurso Sangue Novo e cujos passos recentes o Observador acompanhou.”Egrégios Avós” funde herança e um desejo de modernidade que quebra com as tradições de sempre, “grafitando um futuro seu” — e com direito a Lourenço a desfilar na passerelle, irmão e modelo de fiting de Bárbara. “Trago uma mistura entre gerações. Os meus pais já não vão ser os avós que eu tive. Já não têm naperons em casa. Trago muitas referências do meu álbum de família, as rendas; as malas e anéis foram muito inspirados nas joias de família.” Junte-se o layering e temos bons sinais, que merecem ser acompanhados num futuro próximo.

Bárbara Atanásio

Nos materiais, quase 90% são malhas, tudo focado na sustentabilidade e stock existente. “E as gangas que me lembra muito a infância, tem que haver sempre”. Para este ensaio, Atanásio teve o primeiro contacto com a indústria. Resultado? Uma coleção “um pouco mais comercial e vendável, o que bom.” Talvez pela sua coleção final na escola tenha percebido que trabalha melhor a figura masculina, daí a insistência — “e o corpo do homem também é mais fácil, é mais quadrado (risos)” — mas claro que qualquer género pode confiscar uma ou outra peça que fique debaixo de olho. A embrulhar as criações, qual pedra de toque, nota para a eficiência do styling, desta feita assegurado pela própria designer e pelo amigo Renato Luís.

Um dia antes, foi de novo em modo Workstation que os desfiles de sábado começaram a aquecer os motores. A memória conduziu Mestre Studio, porque é na gaveta das lembranças, também no formato roupa, que se resgata esse passado. “Antes que te esqueças de mim” faz referência a uma foto de Adelaide Khaled, com o mesmo nome, em que surgem os avós do designer, Diogo Mestre, numa imagem que capta a essência de quem vai perdendo o pé para a Alzheimer. Do armário saem os cardigans de malha comidos pelas traças, o cheiro a alfazema, a velha lata de bolachas cheia de amuletos de metal e botões (que aqui são cosidos às camisolas e calças), a máquina Singer junto à janela. Também a palha e o cante alejanos compõem o quadro nostálgico.

Mestre Studio

Já com ANRDES, Ana Rita de Sousa retomou o ambiente laboratorial, o craftsmanship e as suas silhuetas singulares, entre preto e branco e com a antiga manequim Vera Deus a esbanjar veterania na passerelle. Entre paixões, hobbies, simples expressão pessoal ou ligação com a cultura, “Colecionismo” fez-se tema e licença para reunir, organizar, preservar, seja moedas, selos, obras de arte ou peças de roupa.

Béhen, “beijinhos” doces e a demi-couture que até levou M.I.A. a Santarém

A encerrar a jornada, uma despedida cheia de beijinhos, patrocinada por Joana Duarte, ou Béhen, com que estivemos em estúdio.

Foi com “ansiedade e expectativa” que em setembro Luís Onofre avançava ao Observador a sua descida a Lisboa. Face ao clima de incerteza no Portugal Fashion, passou a integrar a estrutura da ModaLisboa quando celebra 25 anos de carreira. “Foi algo natural, com muita pena minha aconteceu o que aconteceu com o Portugal Fashion. Sempre estive com eles e ainda estou e desejo que consiga ultrapassar esta fase difícil, mas a verdade é que não poderia continuar nesta incerteza sem apresentar desfile. Até hoje não se sabe se vai continuar ou não. Espero que se consiga resolver rapidamente para o bem de todos”.

Sem mau estar a norte, garante, fez subir os índices de felicidade das clientes da capital, cujo espólio no armário ajudará ainda o designer nos próximos passos. Depois das 16h00 deste domingo, na passerelle, reinventou uma série de modelos com construções novas, altos, baixos, para uma panóplia de oferta que se mantém fiel ao ADN, “o conforto em saltos altos”. “Muitas clientes de Lisboa que hoje aqui estiveram ficaram muito contentes. Recordaram coisas que já têm e permite fazer uma recolha, que é algo que gostava de fazer, um arquivo.”

Luís Onofre

Chamemos-lhe uma “sapatoteca onofriana”, uma empreitada que não será fácil de concretizar uma vez que Onofre perdeu quase todo o acervo quando a sua fábrica foi assaltada. “Roubaram tudo o que era imagens importantes. Tive que ir buscar material antigo a fotógrafos que tinham imagens em slides, ainda não era nada digital, mas consegui juntar muita informação engraçada.” Na próxima sexta-feira, no El Corte Inglés, fará uma comemoração oficial dos 25 anos de trajeto, onde irá revisitar tudo o que foi feito, abrindo as portas a este acervo, que poderá vir a crescer enquanto projeto para lá do design de calçado. Será coisa para passar a pasta em breve? “Um dia destes, não sei. Começo a ficar um pouco cansado, para ser franco. Tenho outros projetos em mente. Tem sempre a ver com o calçado, será sempre o meu target.”, confessa, sem certezas sobre o rumo da marca a longo prazo. “Vamos ver se consigo mais 25 anos, se tiver continuadores, provavelmente. Vamos ver, acho que nenhum dos meus cinco filhos vão seguir isto. Gostaria que o legado pudesse ser continuado”.

“Ansioso e com expectativa”, designer Luís Onofre troca Portugal Fashion por ModaLisboa: “As mudanças são boas”

Como se nunca tivesse saído de lá e estivesse a dar Sétima Legião sempre que sintonizamos a rádio, regressamos a Luís Buchinho. “Não sou muito saudosista, as pessoas veem sempre isto como um exercício nostálgico mas pode ser só o revisitar de uma coisa que a nível estético me vai agradar sempre. [A década de 80] na verdade é a primeira coisa que me agradou, vai ficar sempre muito marcada no meu imaginário, está enraizado em mim. Por muito diferentes que faça as silhuetas vai haver sempre essa vibe, porque é a minha vibe.”

Para a estação SS25, o designer reaviva a glória desses idos de 80, as suas “tribos neorromânticas” e resgata a famosa bandana, lenço utilizado como acessório ao pescoço das bandas pop da época, que aqui inspira decotes, formas e silhuetas, muitas delas evocando os laivos de teatro kabuki que as imagens de David Bowie eternizaram. A paleta é neutra, em tons pele, brancos e negro, “com toques de verde wasabi, ouro e cobre”; os materiais são fluidos, em estruturas acetinadas ou plissadas; e os estampados bebem do design gráfico da época. “O Bowie teve uma influência muito forte nas bandas neo pop dos anos portanto o Ziggy vinha daí. Calças exóticas e capuzes avivam ares das arábias, detalhe também muito trabalhado nas silhuetas dos anos 80. Pulando para a geometria dos nossos dias, confessa que os “têm sido tempos muito difíceis, com uma energia pesada a nível geral.”

Luís Buchinho

Nas próximas semanas, Buchinho, que já dá aulas na Modatex, vai ser professor na Universidade Lusófona. Lição fundamental? “Ser um bom motor para a singularidade do aluno, a ajudar o aluno a encontrar o seu caminho, o seu lugar”. E quem sabe desviá-lo da overdose de dados. “Posso estar a sentir o generation gap, mas acho que há um maior desprendimento porque a informação hoje é muito gratuita. Dantes como tínhamos pouco tínhamos que procurá-la e tudo era super apreciado. Hoje é a geração swipe.”

Para um deslizar rápido para outras paragens, domingo ficou ainda marcado pelas propostas de Duartehajime, que apontou a um verão “Mythological”. João Sobral, aka Terrible Kid, da equipa de Bordalo II, grafitou o stencil cujo padrão seria aplicado in loco na peça montada ao vivo, no arranque do desfile.

A encerrar as hostilidades, pouco antes das 23h de domingo, a passerelle atapetou-se de borracha e sobre o preto caminharam dualidades e contradições. Entre bem e mal, luz e poluição, a coleção SS25 de Dino Alves propõs uma reflexão visual sobre esse combate permanente. O duelo entre forças refletiu-se em formas amplas e fluidas, tecidos leves, tules, cores pálidas, e transparências que irradiam pureza e honestidade. Uma paleta delicada e uma paisagem idílica contraposta com tons ácidos e “barras e padrões de rede forte feitos com corte a laser que simbolizam alguma rigidez e brutalidade e padrões que se começam a desmoronar”, lia-se na nota descritiva.

Dino Alves

Quanto aos materiais, um festim de tule, ganga em algodão orgânico e reciclado, marrocain, viscose, popeline, lantejoulas, linho, sarja e jersey. Ah! E algumas lantejoulas que ficaram caídas no chão do desfile anterior, de Gonçalo Peixoto, que baralhou e voltou a dar. E quem nos dera poder pedir um desejo por cada uma delas, como diria um entendido na matéria.

Que seria deles e delas se o alerta de Andrez surgisse em caps lock nos ecrãs de todos os smartphones? “And suddenly, your scroll down is over”: uma distopia num mundo saturado de imagens ou simples armagedão para quem não sabe viver sem tik tok? Como interromper a fúria deste tempo desenfreado de luzes, barulho e floreados desnecessários? Nada como um elaborado top de crochet para lembrar que tudo leva o seu tempo, ou a aplicação manual de rebites, cravejados numa peça em ganga, um a um. “É a tal parte artesanal da coleção. As pessoas não fazem ideia do trabalho envolvido. Nunca tinha explorado esta parte, esse tempo da peça”, explica Ricardo.

Se há um ano a restritiva diet culture de Paris Hilton e essa aurora dos anos 2000 dava o tom para a coleção, este sábado Andrez aplicou-se no caminho oposto, eliminando o supérfluo. “Em termos de conceito quis ir noutra direção, peguei na situação atual, neste excesso de informação e desta necessidade de validação constante, minuto a minuto, de nós próprios e de mais não sei quantas pessoas à volta. Tentei limpar a nível estético o que tenho vindo a apresentar, algo mais simples, interessava-me a roupa pela roupa, por mais simples que seja.”

Sobra a aposta firme numa das suas imagens de marca, a camisaria, recheada de assimetrias, folhos e sobretudo botões que permitem uma “validação ainda maior da peça” e uma utilização única a cada pessoa que a veste, até porque na moda “não há certo e errado” — provavelmente uma das lições que irá transmitir aos seus alunos, assim que começar a dar aulas de streetwear no Algarve, a partir da próxima semana, no ISMAT.

O recurso ao deadstock (na coleção de há seis meses chegou a 95%) continua a predominar. E se o crochet foi uma estreia também “nunca tinha cortado renda”, outro pormenor que eleva os níveis de sofisticação num lookbook vivo com muito denim e trench coats onde se lê de imediato o código genético de Andrez.

Em matéria de ADN, não faltam móleculas nacionais em Lidija Kolovrat. Há 33 anos em Portugal, a criadora Bósnia quis celebrar o destino onde vive há mais tempo, com a incontornável referência à diva do Fado e a uma figura ímpar da Pop. “Amália era um espírito livre, também Variações”. Escutemos a voz de “Estranha Forma de Vida”, para um remix dos nossos dias que incluiu viagem aos anos 80, com o dedo criativo de Nélson Gomes, da editora Filho Único, habitual parceiro nas bandas sonoras.

Kolovrat

Este “coração independente” bate por estampados de guitarras portuguesas (e ainda malaguetas) e até silhuetas espaçosas que parecem reproduzir essa forma feminina daquele instrumento — apesar de Kolovrat garantir que tudo não passa do resultado do risco, que deu origem a este desenho abstrato — “saiu assim”. Inclui ainda a consoante K trabalhada em crochet preto e aplicada a acessórios, e um coração rubro em forma de pendente, que também acompanhou a designer na colheita dos aplausos. Pela passerelle, passaram bordados e rendas, transparências e linhas que mais uma vez nos sintonizam com as cordas da guitarra. Mas nada disto saiu da fábrica que a designer comprou há poucos anos, como à época adiantou ao Observador. “A fábrica continua a ser minha mas está parada, não cheguei a encontrar parceiro. Precisava que estivesse ali uma pessoa em permanência, serve apenas de apoio ao ateliê.”, confessa.

Podemos estar redondamente enganados, mas umas quantas arestas não teriam feito mal a este círculo. A caminho das últimas horas da noite de sábado, qual volta de 180 graus, Luís Carvalho inaugurou uma nova década. As fotos minimalistas do holandês Bastiann Woudt deram as pistas para as linhas limpas e simetrias, enriquecidas com detalhes de recorte e encaixe circulares e ainda não menos redondos polka dots. Ao vivo, Moullinex/GPU acrescentaram o ritmo. “Brinquei de uma forma muito literal com o círculo, o novo começo, foi uma inspiração gráfica muito visível. Tentei trazer isso para a modulação das peças, no corte, nas laterais, mesmo nas calças e decotes de vestidos e costas de t’shirts. E no padrão que quis introduzir”.

Quanto às silhuetas, seguem retas e oversized, com materiais como o jacquard e tafetá a fornecerem estrutura. “É muito importante manter a essência enquanto brincas com novas cores e materiais. Esta coleção também os vestidos ganharam formas um pouco diferentes do que costumo trabalhar. Há um vestido branco volumoso de que gosto muito, todo franzido, é uma peça especial”.

Para além deste sucedâneo de suspiro que figura entre os favoritos da estação, não podiam faltar os trench coats, sabido que é que o designer adora “fazer casacos”. Next? “Ainda não sei o que vou fazer agora mas tenho tentado fazer coisas diferentes. Este ano fiz o guarda-roupa para uma peça de teatro que foi super desafiante. Adorava fazer figurinos para cinema, estou a mandar o charme.” (ris-se)

Ao cair de sexta-feira, enquanto do outro lado da cidade João Magalhães entrava em modo performativo (sem modelos, sem maquilhagem, e quase sem roupas), a fila avolumava-se na Rua das Gaivotas. Tudo para descer ao fundo do mar com Constança Entrudo, e neste caso ao fundo da Sala Lisa, o pequeno espaço de concertos onde na noite de sexta-feira se estendeu uma cortina de fios. Abençoados os madrugadores, que é como quem diz os que chegaram cedo e puderam espreitar os últimos preparativos antes da apresentação. Apesar das “toneladas” de convidados, em uma hora, dentro do timing previsto, por aqui se jurou a pés juntos que se conseguiu garantir o acesso de quem esperava na rua. Quando à coleção, insiste em fórmulas vencedoras e o estampado-estrela da próxima estação, retirado das páginas de revistas Life dos anos 50, encontradas na Feira da Ladra, repletas de espécies extintas.

Constança Entrudo

Saias de pregas, vestidos, calças, os muito sucedidos tops, aqui em outros tons e declinações, cruzam com as populares Timbs da Timberland, que ganham uns atacadores ao estilo de Entrudo. E não esquecer os biquinis com renda, que não sendo propriamente uma novidade terão direito a três versões, um segmento em que Constança promete apostar no verão.

Constança Entrudo: “Pode soar mal, mas a moda ganha em distanciar-se das pessoas, ajuda a descontruir preconceitos”

Ao final da tarde, a criatividade do Sangue Novo ocupou o reaberto Museu da Moda e do Design, numa ponte com a ModaLisboa que não deverá ficar por este outubro. “Imaginamos que possamos voltar ao MUDE de uma maneira mais folgada nas próximas edições”, desejou a presidente da Associação ModaLisboa, Eduarda Abbondanza, nesse tiro de partida para os desfiles dos jovens criadores.

Para a fase seguinte do concurso que premeia os jovens talentos nacionais passam cinco finalistas, que apresentaram as suas coleções esta sexta-feira, no cenário do reaberto Museu da Moda e do Design. Na próxima edição da ModaLisboa, em março, Duarte Jorge, Dri Martins, Francisca Nabinho, Gabriel Silva Barros e Ihanny Luquesse disputam os dois principais prémios em jogo. Em março, lá nos vemos.





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