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o que vai na mente de Abel Ferrara? – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Out 20, 2024

Numa sala afastada dos jornalistas que acompanham o festival de cinema de Berlim (Berlinale), o cineasta norte-americano Abel Ferrara está sentado, à espera para conversar sobre o seu novo filme, Turn In The Wound, um ensaio cru, sem lógica aparente, que cruza a guerra na Ucrânia e os concertos poéticos de Patti Smith. O filme estreia-se agora em Portugal, no festival DocLisboa, e parece já chegar “tarde”. Não no sentido de ser datado, porque o conflito continua, Patti Smith também. Tardio porque, apesar dos bombardeamentos, dos feridos, das mortes e na tragédia que só a guerra sabe gerar, muitas pessoas têm noção, através, sobretudo, da comunicação social, do que se está a passar. Daí que este filme junte a poesia e o horror, como se o realizador entendesse que o cinema pode ser um suporte para uma tragédia, mesmo que chegue sem grande estrutura, como se o aparente amadorismo com que filmou fosse suficiente para mostrar o que se passa.

Não há artifícios, ruídos, bandas sonoras. Há palavras, sangue, bombas e reflexões de uma das maiores artistas de todos os tempos. O autor de filmes como o Rei de Nova Iorque (1990), The Driller Killer (1979) ou Pasolini (2014) vive, hoje em dia, em Roma (morada que já lhe deu um filme, o docuemntário Piazza Vittorio), tal como o ator Willem Defoe, seu longo colaborador. Tem 73 anos, poucos ou nenhuns filtros, mantém os cabelos grisalhos encaracolados e o traje negro à estrela de rock. Afinal, é do Bronx. É budista, não toca numa pinga de álcool mas assume uma relação contínua com outros vícios.

[um excerto do filme “Turn in The Wound”, de Abel Ferrara:]

Este estilo de pegar numa câmara e numa pequena equipa e ver o que acontece não é novo. Em O Projeccionista (2019), por exemplo, Abel Ferrara explorou as memórias de um cinema vivido e descoberto em Queens, conversando com um proprietário de uma sala naquela região dos Estados Unidos. Em Bad Lieutenant (1992), onde nos trouxe um polícia corrupto à procura de redenção, parecia estar a falar dele próprio, sendo de conhecimento público que o realizador tinha trabalhado sob o efeito de drogas. Agora, Abel Ferrara quer respostas para a maldade humana.

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Em Turn in The Wound, que surge de uma vontade tão forte e banal como a de querer simplesmente viajar até à Ucrânia, há outro tipo de chamamento. O de ir ao encontro da linha da frente, do comum dos mortais a quem não foi dada outra alternativa se não sobreviver num clima de guerra. “O exército russo anda à procura dos indefensáveis, sempre à procura de formas de aterrorizar a Ucrânia. Neste trabalho, fiquei lá até quando pude. Os jornalistas é que têm de fazer esse acompanhamento da guerra. Gostava de ir à Rússia, mas não é trabalho para mim. Não vou saltar de um avião com um paraquedas e uma câmara”, revela numa conversa na Berlinale onde o Observador esteve presente.

Ya know what i’m sayin’? (calão dos subúrbios nova-iorquinos que significa, traduzido literalmente: “sabes o que estou a dizer?”). Abel Ferrara, quando partilha as histórias dos dias em solo ucraniano, é, muitas vezes, disperso e repetitivo num caos que revela, contudo, uma preocupação maior sobre o estado do mundo. Fala de como se encontrou com o presidente da Ucrânia, Volodomyr Zelensky — não foi a única figura norte-americana fora da política a fazê-lo — e da crença de que os russos nem se importam com os seus filhos. “Não querem saber. Se não te importas com o teu filho, vais importar-te com quem? É demoníaco. De onde vem este mal? O que prometem aos soldados daquele país, cinquenta virgens?”.





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