Na London Review of Books do início deste mês, Christopher Clark escreve sobre um livro de um historiador que refere um livro que Clark escreveu. O tema em causa é uma discussão antiga: quem foi o responsável pela Primeira Guerra Mundial? O livro sobre o qual Clark escreve é de Perry Anderson e chama-se ‘Disputing Disaster’. Trata da análise de seis teses, de seis historiadores, cada um de um diferente país interveniente na Grande Guerra, sobre quem deu origem ao conflito que pôs termo à ordem do século XIX. O australiano Christopher Clark é um deles em virtude do seu entendimento, explicado em ‘Sleepwalkers’, de que a guerra foi causada por erros contínuos cometidos pelas diversas partes envolvidas e não essencialmente pelos alemães. O continente europeu caminhou para abismo, não por via da conduta de uma pessoa, devido à culpa de um governo, de um estado, de um povo, mas de todos os europeus, ideologias incluídas. Uma amálgama de razões derivadas das complexidades do xadrez político europeu, das transformações tecnológicas, científicas e sociais no interior de cada estado europeu.
Perceber o que conduziu a Europa ao suicídio político tornou-se mais relevante do que nunca porque o continente europeu caminha para um abismo semelhante. Já não de perda da supremacia mundial (que não tem), mas de falência de um modelo, político, económico e social, capaz de garantir a qualidade de vida a que os europeus se habituaram.
Independentemente dos golpes de Bismarck no equilíbrio europeu, do impacto que a unificação alemã teve na Europa, da inadequação do império austro-húngaro perante o surgimento dos nacionalismos, uma das muitas causas que podemos apontar para o deflagrar da guerra 1914-18 foi a necessidade da Alemanha ter um império que lhe fornecesse matérias-primas, bem como o isolamento a que a aliança entre Reino Unido, França e Rússia condenou os alemães. A Tríplice Entente não se limitou a conter a Alemanha na Europa. Serviu também para impedir a expansão da Alemanha para fora do continente europeu. Refiro este elemento de entre muitos outros, porque este sentimento de claustrofobia e de falta de acesso às matérias-primas alimentou o clima belicista alemão, tal como serviu de suporte para o conceito de ‘espaço vital’ de Hitler, e pode ressurgir nos próximos anos.
Desde 1945 que nos convencemos que a paz europeia se consegue com a mera consciência do que são os horrores da guerra. Como se as boas intenções fossem suficientes para impedir a repetição da calamidade. Não são. Infelizmente, não são mesmo. E reconhecemos que nunca foram se tivermos em conta que o racismo e a xenofobia estiveram afastados do nosso dia-a-dia enquanto o bem-estar europeu se baseou (entre outros factores) em energia barata, na segurança norte-americana e na venda à China de produtos de elevado valor acrescentado. Dito de forma mais simples, sustentou-se no comércio livre. Precisamente, o que está agora a ser posto em causa pelos EUA e pela China.
A Alemanha está a tomar consciência que precisa de ter acesso directo a matérias-primas para poder fazer a transição tecnológica da sua indústria e serviços. A questão está em saber se o faz integrada na União Europeia, e a par com os demais estados europeus, ou se terá de o fazer sozinha. E se tiver de o fazer, não é apenas do fim da União Europeia que estamos a falar. É do fim da paz conseguida no seio deste continente e que demos por garantida durante décadas.
É por esta razão que o acordo Mercosul-UE assume uma importância crucial. Acordo com Berlim apoia fervorosamente. Não se trata apenas de receber (recebermos todos) produtos mais baratos e as empresas alemãs (e europeias) entrarem em novos mercados para venderem os seus produtos. O que está em causa é o acesso a matérias-primas, que o acordo não resolve por completo, mas que será uma janela aberta quando as portas do livre comércio se fecham. Na verdade, o comércio livre não se limita a retirar pessoas da miséria. É também um excelente instrumento para não marginalizar estados.