Conhecem-se desde miúdos, foram companheiros, mais tarde tiveram uma relação treinador-jogador, após esse período tinham carreiras comuns com trajetos distintos, mantiveram-se sempre próximos apesar de cada um ter o seu “grupo”. Ruben Amorim e João Pereira têm vários pontos de contacto no futebol mas são também pessoas diferentes. Quando passou a porta 10-A em março de 2020, o agora técnico do Manchester United surgia sorridente mas nem por isso conseguia disfarçar alguma timidez pelo aparato de tudo o que estava a acontecer. Esta segunda-feira, o antigo treinador da equipa B dos leões entrou sorridente, manteve essa postura sempre descontraída em conversa com o diretor desportivo Hugo Viana e nunca mudou a sua aparência qualquer que fosse a questão. Como frisou Frederico Varandas, é alguém que respira confiança.
À sua frente, a “estrutura”. Uma das maiores diferenças entre as duas apresentações foi mesmo o número de cadeiras no Hall VIP de Alvalade, com uma afluência muito maior quatro anos e meio depois. Porquê? Do lado direito do pulpito encontravam-se sobretudo dirigentes da SAD e do clube, do lado esquerdo estavam concentrados elementos dos mais variados departamentos ligados ao futebol, da restante equipa técnica ao scouting, de toda a área de performance ao Gabinete de Apoio ao Atleta, da comunicação à Academia. Essa foi uma das principais vitórias do Sporting nos últimos anos: construir, ou em alguns casos reconstruir, tudo o que é necessário para deixar os atletas mais perto do sucesso. João Pereira acrescentou outra.
“É um privilégio, uma honra e um orgulho estar a ser apresentado como treinador do Sporting. Quero agradecer a confiança depositada em mim por parte do presidente e do [Hugo] Viana. Queria deixar também uma palavra de agradecimento ao Ruben pelo que fez e pelo que conseguiu no Sporting. O legado dele não são só conquista, mas também a união no seio de toda a família sportinguista. O futuro traz responsabilidade mas vem de mãos dadas com a ambição de tornar no Sporting um clube de futuro. Peço aos adeptos que continuem a apoiar a equipa como têm feito nos últimos tempos, todos juntos estaremos mais perto das vitória”, começou por referir o novo treinador leonino, numa introdução que parecia quase “decorada” e que, também por isso, não saiu de forma natural como todas as respostas que se seguiriam.
Apesar de ter feito quase toda a formação no Benfica, onde se estreou como sénior sem nunca ter voltado após a saída para o Gil Vicente em 2006, João Pereira assume-se como alguém da casa e, numa pergunta feita pelo canal do clube, voltou a assumir que uma das suas principais mágoas foi não ter conseguido ganhar mais troféus pelos leões como jogador nas três passagens que teve por Alvalade entre 2010-2012, 2015/16 e 2021. “Agora quero corresponder dando mais títulos. O Sporting deu-me muita coisa, permitiu-me ir à Seleção, permitiu-me uma transferência para uma das maiores ligas do mundo (Valencia), voltei a casa duas vezes e só conquistei dois títulos. Gostava nesta nova etapa da carreira corresponder com mais títulos”, apontou o antigo internacional, recordando o Campeonato e a Supertaça ganhos pelos verde e brancos.
A seguir, várias perguntas com o ponto comum de Amorim. João Pereira nunca perdeu a oportunidade de mostrar toda a sua confiança de sorriso nos lábios e nem mesmo a possibilidade de um cenário negativo lhe inverteu o discurso. “Se tivesse dúvidas e se pensasse que correria mal, não estaria aqui, estaria em casa com os meus filhos a aproveitar a folga. Isso não me passa pela cabeça, faltam muitos jogos. Mas temos de ser positivos e estou confiante que as coisas vão correr bem”, destacou, antes de assumiu a escolha de Luís Neto para a equipa técnica: “Fui eu que pedi o Neto ao presidente e ao Viana, pela experiência que tem e porque deposito muita confiança. Vai ter importância, ele tem a experiência de jogador e pode dar muito”.
“Ruben Amorim? Era uma relação muito próxima, havia uma comunicação muito limpa e muito clara até porque havia muitos jogadores da equipa B a treinar com a equipa A e o Ruben não queria estragar as dinâmicas da equipa B. Tenho de agradecer por isso. Depois, sempre me abriu as portas da equipa principal, sempre me abriu a porta dos treinos quando podia. Quanto ao cunho pessoal, vai ser com calma, paciência. Vamos ter de ganhar a confiança dos jogadores, foram quatro anos e meio de uma liderança e precisamos de tempo mas vamos notar as diferenças. O que posso acrescentar? Quando disse que queria ser treinador, o objetivo era chegar a um grande clube. Felizmente foi nesta casa, que é a minha casa. Não esperava que fosse tão rápido mas a oportunidade surgiu e estamos preparados para os desafios que aí vêm”, realçou.
“Ainda não fui ao gabinete que era do Ruben porque ontem [domingo] tivemos jogo em Tábua com o Oliveira do Hospital, que não correu como nós queríamos. Chegámos tarde e a única alegria que tivemos foi mesmo o resultado da equipa A. Há uma coisa que levo do Ruben, recordo uma conversa: ‘João sempre que queiras inserir uma ideia ou um conceito novo na tua equipa e não consegues passar isso em frases curtas e claras, é porque ainda não estás preparado para passar’. E é verdade, tenho de agradecer-lhe por isso. O que me pediram? Para ser eu próprio, o maior erro seria querer imitar alguém. Tem de ser passo a passo, com calma, não se muda as coisas de um dia para outro. Quem é o João Pereira treinador? Traz umas coisas do João Pereira jogador, elimina outras… É alguém que detesta perder, que adora ganhar… Sou muito competitivo, quero que as minhas equipas sejam muito aguerridas e estou muito mais calmo do que quando era jogador…”, referiu, numa tirada que provocou muitos sorrisos na plateia pelo feitio temperamental.
“O Sporting teve quatro anos e meio de uma liderança que desenvolveu uma grande relação com todos os jogadores mas agora será uma relação que vai evoluir e sedimentar. Este era um processo que estava a ser preparado há algum tempo. A preparação tem sido feita nos últimos anos, não foi apenas na última semana. Fiz o trabalho de casa, tenho confiança no que posso trazer ao clube. Pressão? A pressão faz parte do futebol, se calhar tenho essa bagagem de quando era jogador. As pessoas vão estar curiosas, algumas terão dúvidas, mais importante é eu e a minha equipa técnica não termos dúvidas”, apontou, recordando também os pontos de contacto na forma de jogar da equipa A, B e Sub-23 nas últimas três épocas: “Os jogadores já têm muito desses comportamentos e vamos tentar introduzir a nossa mãozinha”.
Por fim, e numa parte mais sentimental, João Pereira falou também do pai, um sportinguista ferrenho que cumpriu um sonho quando viu o filho representar os leões – e agora vai prolongar essa alegria vendo-o numa outra posição. “Ainda não falei muito bem com ele, a única pessoa que sabia disto, além da Direção, era a minha mulher. Nem mesmo a minha equipa técnica sabia porque não queria criar distrações nem na equipa A, nem na equipa B. Acho que só hoje vou dar um grande abraço ao meu pai, que é um grande sportinguista. Uma das maiores alegrias que lhe dei foi ser campeão aqui e ele ter tido a possibilidade de pisar o relvado comigo e com o meu filho mais velho, o outro não tinha ainda nascido. Ele deve estar em casa a ver isto e por isso, pai, um abraço para ti”, concluiu de voz embargada debaixo de uma salva de palmas.