Letizia cumpriu tudo o que se esperava da noiva real. O vestido foi a criação que consagrou o designer de moda espanhol Manuel Pertegaz, de 86 anos: “Fiz um vestido para uma princesa”, disse aos jornalistas. Feito em seda natural com fios de prata e bordado com motivos como a flor-de-lis, a flor-de-lis heráldica, espigas de trigo, trevos e medronheiros, tinha manga comprida, decote em bico e uma cauda de 4,5 metros a partir da cintura. “O vestido era incrível, mas muito pesado e custava-lhe deslocar-se pelo corredor. Tinha os olhos húmidos da emoção e soubemos depois que também tinha febre. Estava constipada”, diz Mabel Galaz sobre a impressão que teve ao ver a noiva na igreja.
O véu, em formato triangular e em tule de seda bordado, foi um presente do noivo. Sobre ele brilhava a Tiara Prussiana, a mesma que dona Sofia usou no seu casamento com Juan Carlos em 1962, carregada de história. O diadema com design em estilo neoclássico e linhas geométricas inspiradas no Parténon e em folhas de louro é feito em platina e diamantes e conta com um grande diamante ao centro. A tiara foi um presente de casamento do kaiser Guilherme II da Prússia para a filha, a princesa Victoria Luisa, quando esta se casou com Augusto III de Hannover. Passou depois para a única filha do casal, a princesa Frederica, quando esta se casou com Pavlos da Grécia em 1937, e de seguida para a filha mais velha destes, quando se casou com o herdeiro aparente de Espanha.
Os brincos, em platina e diamantes, foram um presente dos reis. E a noiva usou ainda como acessório um “abanico” do século XIX que foi restaurado propositadamente para a ocasião pelo Património Nacional e que pertenceu à infanta dona Isabel de Borbón. Tanto a tiara como os brincos, Letizia voltaria a usá-los em outras ocasiões e atos públicos. Já a aliança e o anel de noivado deixámos de os ver nos dedos da atual rainha. Deixou de usar a aliança em 2011 por, segundo a própria, uma questão de comodidade já que com tantos apertos de mão a joia acabava por lhe fazer fazer feridas, explica a Vanity Fair. Quanto ao anel de noivado, Letizia deixou de usar a joia da marca Suárez em 2012 quando se soube que tinha sido paga com o cartão de crédito do Instituto Nóos, dirigido por Iñaki Urdangarin e que deu nome ao processo judicial que o levaria à prisão. Segundo conta a revista o príncipe Felipe terá escolhido o anel por catálogo e pediu ao cunhado que o levantasse em Barcelona, a história não terá sido confirmada nem pela casa real nem pela marca, mas a joia não voltou a ser vista.
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No livro “Letizia Real” (2022) Mabel chama “triste e molhado” ao capítulo onde escreve sobre o casamento. “Foi uma boda chuvosa e isso condicionou a chegada da noiva que teve de deslocar-se de carro, mesmo sendo curta a distância do palácio. E, em parte, foi triste porque Madrid estava afetada pelos atentados de 11 M [11 de março]”, explica ao Observador. Por lá o ditado diz “novia mojada, novia afortunada” [como por cá diríamos noiva molhada, noiva abençoada]. A casa real bem cumpriu uma antiga tradição de entregar ovos no Mosteiro de Santa Clara, em Madrid, para pedir que fizesse bom tempo no dia do casamento, mas a encomenda de dúzias que uma pessoa próxima da rainha Sofia terá entregado às irmãs clarissas franciscanas não foi suficiente para garantir um dia sem chuva.
Terá esta boda sido realmente abençoada? “Os reis cumprem 20 anos de casados. Terão tido as suas crises como todos os casais mas continuam aí. Formam uma boa equipa para trabalhar para a instituição”, responde a jornalista que em 2022 assinou uma biografia da rainha de Espanha. Contudo, passados vários momentos de dificuldades e rumores ao longo destes anos, parece ser este o mais tenso de todos. Desde finais do ano passado há dois Jaimes que atormentam a vida a Letizia, del Burgo, o seu antigo cunhado, e Pañafiel, o jornalista. Entre acusações de adultério e livros sobre a rainha de Espanha, desde que Leonor jurou a Constituição no dia do seu 18º aniversário, a 31 de outubro, que uma nuvem paira sobre a família. Esta bem mais difícil de contornar do que as que trouxeram chuva à boda real há 20 anos.
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O Presidente da República e a primeira-dama de Portugal da altura, Jorge Sampaio e Maria José Ritta, também estiveram em Madrid. “Existiu sempre um ótimo relacionamento — institucional e pessoal — com o Rei Juan Carlos e a rainha Sofia, extensível ao, à época, príncipe Felipe, o que motivou a nossa presença no casamento há 20 anos”, disse ao Observador a antiga primeira dama. “Recordo-me de ter sido uma cerimónia imponente, revestida de inevitável forma protocolar, mas pontuada por momentos de cumplicidade e partilha da alegria sentida por pais no casamento de um filho.”
O príncipe Felipe tinha estado em visita a Portugal em 2003 e Juan Carlos tinha-se deslocado a Lisboa no ano antes para almoçar com Jorge Sampaio. Em Madrid, o casal presidencial português esteve no jantar de dia 21 e no casamento, no dia seguinte. “Nessa mesma ocasião, o meu marido expressou a confiança de que o futuro Chefe de Estado Espanhol ‘iria, seguramente, exercer, como o seu pai, um estreitamento cada vez maior das já intensas relações entre os dois países peninsulares’. Nessa mesma data endereçou, igualmente, convite para que o príncipe Felipe e a sua mulher Letizia visitassem oficialmente Portugal, o que veio a acontecer.”
A antiga primeira-dama aproveitou a oportunidade para evidenciar a boa relação entre os dois casais contando um episódio muito pessoal. “Recordo, igualmente, o dia em que os reis [Juan Carlos e Sofia] aceitaram o convite para almoçar no nosso apartamento de Lisboa, com refeição cozinhada por mim”, conta Maria José Ritta. Contudo, no dia 22 de maio de 2004 foi o casal português que se sentou à mesa dos reis. No banquete servido depois do casamento Sampaio e a mulher tiveram lugar entre as 26 pessoas que compuseram a mesa dos noivos, com os reis, os pais de Letizia, soberanos de países como Suécia, Dinamarca, Noruega, Bélgica, Liechtenstein ou Malta e ainda a rainha da Jordânia e os presidentes de El Salvador e do Panamá. Terá sido uma escolha do Rei Juan Carlos ter o Presidente Sampaio na sua mesa ao almoço, um sinal da importância de Portugal para o monarca espanhol. Também nas fotografias de grupo tiradas no palácio depois da boda se pode ver Jorge Sampaio ao lado de Juan Carlos e Maria José Ritta logo atrás dos noivos. “A sensação, ao longo de muitos anos de relacionamento, era a de que, de ambos os lados, sabíamos que estaríamos sempre convidados a visitar o país vizinho.”