Se a incorrigibilidade, como observou um filósofo, é a marca do mental, a marca dessa incorrigibilidade é a ideia de saúde mental. Não nos espanta que a palavra ‘mental’ e a palavra ‘saúde’ apareçam nas mesmas declarações, como ‘bife’ e ‘batatas fritas,’ ou ‘quer se goste’ e ‘quer não se goste.’ Imaginar-se-ia que o assunto principal dessas declarações fosse a mente. No entanto a maior parte das pessoas que as fazem não falam da mente com conhecimento. Não sabem quantas patas tem, nem conseguem dizer se é animal, vegetal ou mineral. Talvez por isso se tenha deixado de falar da mente e se tenha começado a falar de saúde mental, ou seja, das doenças de um objecto que não se sabe bem o que seja.
Falar daquilo que não se sabe não é só por si um sinal de doença mental. Muita gente fala constantemente das suas rótulas e também não sabe como elas rodam. Falar de rótulas serve porém regra geral para explicar aos outros que um certo acessório se escangalhou; falar de rótulas doentes pode por vezes ser um sinal de saúde mental. Falar de coisas mentais é outra coisa. Enquanto quem fala na sua rótula está a falar apenas de uma parte de si, quem fala da sua mente, mesmo que também não saiba aquilo de que está a falar, acredita que está a falar totalmente de si.
Falar da mente própria é uma forma de autobiografia não-solicitada. Não há animal que pressinta ter uma mente a quem não apeteça fazê-lo. O resultado é a ideia de que, porque temos mente, devemos ocupar-nos da nossa saúde mental. Contudo, só adquirimos essa ideia porque somos mais encorajados a falar espontaneamente de nós como um todo do que a responder a perguntas sobre as nossas partes. Falar da mente não parecerá à primeira vista diferente de outras ocupações meritórias, como as de quem faz declarações sobre as suas rótulas; mas visto que falar da mente é falar totalmente de nós, ao falar de saúde mental admitimos a possibilidade extrema de estarmos totalmente doentes. É por isso que há sempre um tom reconhecível de animal ameaçado em quem fala da sua saúde mental.
As conversas sobre saúde mental pertencem à grande família das conversas sobre coisas em perigo. As pessoas que falam de coisas em perigo aprenderam a falar assim apenas porque andaram durante muito tempo a pensar na saúde das suas mentes. Habituaram-se à ideia de que consistem numa mente ameaçada por desordens numerosas; acreditam que o mundo é provavelmente igual à sua mente; e anseiam por quem as assegure de que existem causas subcutâneas para o mundo nem sempre lhes fazer a vontade. Os profissionais do conforto acorrem, e asseguram. Não é caso para admirar, declaram eles, porque tudo neste mundo é coisa mental; e combinam voltar a encontrar-se na quarta-feira seguinte.