1 PS Quando há dois dias se “abriu” o cenário sobre a mesa da Sic/SicN onde se sentavam Marta Temido, João Cotrim de Figueiredo , Sebastião Bugalho , Francisco Paupério, cabeças de lista ás próximas eleições europeias, havia um deles que ao primeiro relance , destoava no quarteto: pela figura, pela postura, pelos créditos, pela segurança, pela autoridade própria – ou se tem ou nunca se tem – e João Cotrim Figueiredo tem-na e por isso prometia. Não foi assim. Ficou muito aquém – dele próprio e do tema. Como foi possível? Mistério. 2) Houve um estreante, Francisco Paupério, que por ser estreante, muito simpático, não balbuciar e ser de esquerda, arrebatou aplausos. Aparentemente ninguém se incomodando muito com a realíssima impossibilidade de “corredores humanitários” ou de, no crucial tema da Segurança, ele a ter misturado (?) com segurança alimentar, climática, não me recordo se outras e peço esculpa de percebi mal mas não me parece, talvez o contrário; 3) Não houve vencedores, houve uma vencida. Marta Temido preferiu “fugir” de Bruxelas para Lisboa, nacionalizou aquela hora mas é verdade que andar com a irreparável irresponsabilidade da extinção do SEF às suas costas, não vai ser pera doce. Sebastião Bugalho sempre o mais rápido, mais fluido, mais assertivo, voltou a insistir que “querermos a paz” em vez de atender á guerra. Pode ter sido estranho que ninguém ali tenha pronunciado a palavra guerra, a inexplicável ausente da noite televisiva de segunda feira: apesar de sermos “o” sul, e Portugal “um” mais longínquo sul, convém lembrar que a guerra da Ucrânia é hoje único e terrível sobressalto em pátrias que pertencem ao nosso clube. Nos países nórdicos, nos Bálticos, nos vizinhos da Rússia, em todos esses solos e povos só há isto: amanhã, que fará Putin?
Claro que o debate não poderia ser mono temático; que o que se abordou devia ser abordado; que nenhum “debater” poderia ter-se apropriado de uma só ideia. Ainda bem que houve mais temas. Mas.
Mas… a guerra já dividiu a Europa, já separou um norte atemorizado de um sul incauto, já tornou a Defesa e o como pagá-la no nervo central das preocupações dos 27, já nos pôs em sentido face ao “que fazer” na Segurança. Sim: amanha que fará Putin? (E nós, quando ele fizer?)
2 A racionalidade entrou em falência no país? Parece. Política, partidos, palavras, povo, instituições, comportamentos sociais, surgem-nos alterados e em certos passos, irreconhecíveis: a política só respira pelos pulmões da racionalidade e ela esta em falta. Não é de agora, vinha-se anunciando, simplesmente agora quase tudo parece capturado por uma espécie de vertigem irreal, como se se tivesse passado a usar as luvas nos pés e os sapatos nas mãos. Exagero? Admito. Mas é uma alteração climática política. Como as cheias e os ciclones, mas um dia vai ser preciso estudar também esta.
3 Ainda antes da sua entrada em funções o novo governo foi olhado quase como um estorvo e pré julgado com a desconfiança que se usa para com os intrusos. Já com a governação em curso, passou a governo sob suspeita: pede-se contas sobre o que ainda não está feito e já devia estar (?); os ministros são interrogados com severidade; usa-se generosamente do preconceito e da desproporção, confundem-se propósitos; as livres escolhas de um governo eleito – mesmo tendo em conta gestos pouco correctos – são abusivamente confundidas com “saneamentos”; atiram-se aos quatro ventos palavras que nunca nenhum governante disse mas como se o tivessem feito; esgravata-se com ânsia o passado de cada um deles. Se quer negociar ou é recusado ou traído, se quer, só se for em condições alheias.
A inexperiência política tem sido surpreendente? O início da viagem governamental foi titubeante? A comunicação atabalhoada? Não serei eu a negá-lo, ficou á vista desarmada. Mas será que ninguém notou que nenhuma dessas incipientes realidades governativas justifica por si só o absurdo “tratamento” público e mediático a que o executivo tem estado sujeito, tal a desproporção entre algumas falhas e a sua imediata ampliação publica, sempre com mais ruído que critério?
4 As causas não são misteriosas e as razões também não: “isto” era dos socialistas. O PS fez sempre como se fosse: o partido, o governo, o Estado, as instituições, administrações, nomeações, o funcionalismo publico, a generalidade da media que nunca escondeu a preferência. E em certo sentido também o pensamento, e em certo sentido também uma boa parte do próprio país. Era “deles” no que interessava, contava e rendia. Era deles no que pensavam, decidiam e impunham. E eles habituaram-se.
O legado da infértil governação socialista não é removível, a memória também não: cativações continuadas de milhões cá dentro para ministro brilhar lá fora (em detrimento dos serviços públicos, em degenerescência até hoje); deficiente crescimento económico, porque a virtude esteve sempre mais do lado do sector publico e o vício em empresários e empresas; a escola pública quase em estilhaços; polémicas, demissões, abusos de poder em pequenos “casinhos” e grandes “casos” – intencionalmente esquecidos, ou ainda mal contados.
Bem contado foi pelo contrário, outro abuso recentíssimo: um abundante rol de medidas foi duplamente mal aprovado com o governo em gestão e… sem cabimentação orçamental. Em dois-em-um com um impacto de milhões para os infelizes herdeiros da factura. Como se fosse pouco e para ampliar gloriosamente a narrativa rosa, nada mais impressivo do que certificá-la com uma descida da divida pública. Como? Sugando empresas publicas: as Águas de Portugal cederam (?) cem milhões de euros, a Casa Moeda e a NAV, contribuíram (?) com cifra mais modesta mas o que se retém é o gesto: agir como proprietário. Do Estado, das empresas publicas, do seu dinheiro, dos seus gestores. Chapeau: a longa saison socialista está ilibada, as contas estão “certas”, a rosada narrativa está de pedra e cal.
5 Eu não sei ou não entendo se o líder do PS se apercebe que tem vindo a certificar politicamente o Chega na montra parlamentar do país. O que se sabe é que após três propostas que logrou ver aprovadas com André Ventura, Pedro Nuno Santos, cantou vitória e acusou Montenegro: o chefe do governo seria um produtor de “instabilidade e incapacidade”. O PS insiste em reclamar o seu direito em “apresentar propostas e lutar para que sejam aprovadas”. Ninguém lhe nega o direito, Pedro Nuno Santos esta sentado numa cadeira do parlamento, epicentro desse direito. O que se estranha é que “lute e combata” hoje com muito mais afã e afinco pela aprovação de medidas que ontem o governo de que fazia parte, vetava sem pestanejar. Claro que agora é de borla, a responsabilidade política e financeira será entregue a outros. Sobra porém alguma perplexidade: este fazer tábua rasa das medidas de um programa de governo votado e aprovado , pretendendo reiteradamente substitui-las por outras, oriundas do parlamento e com a cumplicidade do Chega, deve ser lido com que dose de racionalidade política?
Pode ser que no hemiciclo as oposições apostem na ansiada “vitimização” do PSD. Não me parece que ela venha a ocorrer, mas tudo indica que a nova e tão frendly dupla política PS/Chega conte com isso. Outro erro.
6 Se o governo carece de maior articulação e menor inexperiência, mais comunicação e menos amadorismo, duas notas sobre a nova dupla frendly:
- Pedro Nuno Santos parece sempre estar a correr em direção incerta. Ora empolgado, ora monocórdico, é como se andasse sempre á procura do tom justo, do discurso adequado, da mensagem forte, da escala certa das suas prioridades.
- André Ventura, só , só, só para contentar (?) o seu eleitorado ultrapassou todas as linhas admissíveis na política, na decência, na seriedade intelectual com a sua acusação ao Presidente da República: “traição à pátria”? As palavras têm sempre um peso e um significado. Aqui também tiveram. E por inexplicáveis que tenham sido as do Presidente – foram insuportáveis – a iniciativa de André de Ventura conseguiu ir para além disso na desfaçatez oportunística, na falta de decorro, na demagogia da sua acelerada retórica.
Nunca se dirá de mais sobre este rombo na decência.
Há políticos mais distribuidores de confiança do que estes.
PS. Pequenos lembretes não despiciendos sobre “instabilidade”:
- O governo de Guterres caiu porque o seu PM abalou de “um pântano” (criado por quem?) e houve eleições; o governo de Sócrates caiu ao chão porque ele se demitiu e houve eleições; o Executivo de António Costa caiu em 2021 porque os leais parceiros de então lhe falharam e houve eleições; o governo de maioria absoluta socialista caiu porque o mesmíssimo António Costa se demitiu e houve eleições;
- E em Maio de 2024, o Partido Socialista não será a família politica mais estável da cena mas provavelmente a mais instável: começam a ser visíveis quer o embaraço face a alguns actos, palavras e omissões do “chefe”, quer o ajuste de contas interno devido ao estado das coisas – e das contas – na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.