A filosofia é uma das expressões mais profundas da humanidade: é um exercício de perscrutação do real, uma forma de nos aproximarmos daquilo que escapa à nossa perceção imediata. Na superfície do mundo, movemo-nos guiados pelas necessidades do quotidiano, presos aos automatismos da vida comum. No entanto, por vezes, surge a inquietação; nasce um vazio que não sabemos nomear; cresce um estranhamento em relação ao que nos rodeia. É, precisamente, nesse momento que a filosofia emerge; não emerge, porém, como uma disciplina técnica ou como um saber externo: emerge como uma forma de vida e um modo de estar no mundo. Porque a filosofia, ao contrário das ciências ou de qualquer outro domínio do conhecimento, não nasce de uma necessidade prática: o seu nascimento, se é que se pode falar em nascimento, vem de uma inquietação radical perante a realidade. Trata-se de uma necessidade de compreender aquilo que se apresenta como óbvio ou como um dado adquirido, mas que, quando olhado de perto, revela-se infinitamente problemático.
A filosofia é, assim, uma procura incessante pela raiz das coisas, pela essência do ser, pelo fundamento último que justifica a existência. Esse fundamento, contudo, está longe de se oferecer de forma evidente. E é aqui que reside a grande virtude da filosofia: não promete respostas definitivas nem oferece seguranças ou certezas; em sentido oposto, a filosofia oferece-nos um caminho atribulado em direção ao desconhecido que procuramos; possibilita-nos que iluminemos as veredas escurecidas pela ausência prolongada de questões. Então, a realidade que nos parecia sólida e transparente, torna-se, à luz do pensamento filosófico, algo nebuloso e movediço e o que nos parecia familiar revela-se incógnito: é neste desassossego que o verdadeiro filosofar encontra o seu sentido. Por ser um ato de desvelamento e uma forma de romper com o automatismo do pensamento quotidiano, a filosofia não se pode limitar a uma mera reflexão abstrata. O que está em jogo não é apenas o entendimento teórico do mundo, mas a própria forma como vivemos. O filosofar é um convite a assumirmos a nossa própria condição de seres incompletos, lançados num mundo que nos desafia a todo o momento. A filosofia, neste sentido, é uma prática de liberdade: uma liberdade que não se conquista com respostas prontas e rápidas, mas com a capacidade de interrogar, de questionar e de abrir espaço para o inesperado.
O ato filosófico é, portanto, um ato de coragem. Coragem de olhar para o mundo e não se contentar com o que está à vista; coragem para enfrentar o desconhecido, sabendo que o caminho está sempre por construir. A filosofia é, no fundo, o impulso humano mais genuíno de ultrapassar as barreiras do imediato, do previsível, do que já se sabe. Não é um luxo intelectual, mas uma necessidade profunda de viver a vida com um sentido de autenticidade, de profundidade e de verdadeira liberdade. Ortega y Gasset, filósofo espanhol, dizia qualquer coisa como “o homem é um ser lançado no mundo”, e é nessa queda que a filosofia se revela indispensável. Apesar de não nos oferecer um chão seguro, dá-nos a coragem de continuar o caminho, de enfrentar a incerteza, de abraçar o mistério da própria existência. No fundo, é isso que torna a filosofia tão essencial: ao não nos dar respostas, faz-nos sentido a necessidade de continuar a perguntar. E é nessa pergunta interminável que reside o verdadeiro sentido do ser humano.