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A perseguição policial, a falsa história do carro roubado e contradições da arma branca. O que se sabe e falta saber sobre a morte de Odair – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Out 23, 2024


“Vê se ele está acordado!”, ouve-se uma voz dizer. “Ele está a respirar, estamos a chamar uma ambulância”, responde um dos agentes. O breve diálogo faz-se entre um morador do bairro da Cova da Moura e um agente da Polícia de Segurança Pública (PSP). É madrugada de segunda-feira e Odair Moniz, um cidadão cabo-verdiano de 43 anos, acaba de ser alvejado por um polícia depois de uma perseguição que começou poucos minutos antes numa das principais da Amadora.

Este e outros vídeos semelhantes começaram a correr nas redes sociais horas depois dos acontecimentos dessa madrugada. Mostram o autor dos disparos sempre tenso, de Glock na mão, o corpo inanimado de Odair Moniz no chão. Agentes da polícia a chegar ao local e a afastar os moradores que se aproximam para ver o que se passou. Os bombeiros acabam depois por chegar ao local para assistir a vítima e transportá-la para o Hospital São Francisco Xavier, onde acabaria por morrer devido aos ferimentos.

“Dizem que não vão parar até matarem um polícia.” A segunda noite de violência nas ruas do Bairro do Zambujal

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Os contornos do que se passou naquela noite estão ainda por apurar. Deixaram uma comunidade em choque e em luto por um homem descrito como “pacífico” e “respeitador” e levaram a duas noites consecutivas de protestos que culminaram em autocarros e carros privados incendiados, tiros e desacatos com a polícia na Grande Lisboa.

“No bairro, dizem que não vão parar até matarem um polícia”, revelava na noite de terça-feira uma das moradoras que assistiu ao momento em que um autocarro era incendiado por um grupo de quatro pessoas, todas com a cara tapada. As autoridades garantiram esta quarta-feira que haverá “tolerância zero” para novas tentativas de causar distúrbios. “Repudiamos e temos tolerância zero com qualquer ato de desordem e destruição protagonizados por grupos criminosos, disse o diretor nacional da PSP em substituição, Pedro Gouveia, na primeira conferência de imprensa de responsáveis desta força de segurança desde o início de todo o caso.

As circunstâncias da morte de Odair Moniz, que vivia no Bairro do Zambujal com a mulher e os filhos, estão a ser investigadas pela Polícia Judiciária (PJ), que já interrogou o autor dos disparos. A conta gotas vão sendo conhecidas algumas novas informações. Nas últimas horas, soube-se que, afinal, os dois agentes da PSP não terão sido ameaçados diretamente pela vítima com uma arma branca em punho, segundo avançou a CNN Portugal. Eis o que se sabe e falta saber sobre aquela noite.

Há muito que ainda se desconhece sobre os acontecimentos que na segunda-feira levaram à morte de Odair Moniz. A Polícia de Segurança Pública já prestou alguns esclarecimentos, incluindo um comunicado divulgado logo no dia do incidente, em que refere que o homem seguia de carro na Avenida da República, na Amadora, e que fugiu “ao visualizar uma viatura policial”.

“Encetou fuga para o interior do Bairro Alto da Cova da Moura. No interior do Bairro, o condutor entrou em despiste, abalroando viaturas estacionadas, tendo o veículo em fuga ficado imobilizado”, pode ler-se no comunicado, de seis parágrafos, disponível na página da PSP. Não é claro, no entanto, o que levou os agentes a iniciar a perseguição em primeiro lugar.

Numa conferência de imprensa esta quarta-feira, Luís Elias, comandante do Comando Metropolitano de Lisboa, disse apenas que os polícias intervieram após “um comportamento que [lhes] pareceu suspeito”, mas não entrou em mais detalhes.

O superintendente da PSP também abordou uma das questões que estava a gerar mais controvérsia: se o carro em que Odair Moniz seguia naquela noite tinha ou não sido roubado. “Não sei onde foram buscar essa informação”, começou por dizer aos jornalistas, confirmando que a história é “falsa” e que “a viatura não era furtada”, mas do próprio condutor. O mesmo já tinha sido garantido nos últimos dias por vários moradores e conhecidos da vítima em declarações à imprensa.

Restam, porém, muitas questões sobre a forma como Odair Moniz foi abordado pelos agentes da polícia e que tipo de ordens recebeu. A PSP descreve que, depois da perseguição e de o carro em que o homem seguia se ter despistado, na Rua Principal da Cova da Moura, “os polícias procediam à abordagem do suspeito” e que “o mesmo terá resistido à detenção e tentado agredi-los com recurso a arma branca”. Arma que foi, entretanto, apreendida.

Esta versão é muito contestada por familiares e amigos da vítima. “O Odair com uma faca? Nunca. O Odair era aquela pessoa que se te visse com uma arma na mão ia dizer-te para mandares isso fora. Nunca andaria com uma faca”, garantiu ao Observador a cunhada. O Observador questionou a PSP sobre o tipo de arma que teria sido usada e de que forma, mas até à publicação deste artigo não recebeu uma resposta.

A CNN Portugal avançou, entretanto, que nas declarações que prestaram à investigação, a cargo da Polícia Judiciária, os dois agentes da PSP envolvidos no caso reconheceram que não foram ameaçados diretamente pela vítima com uma arma branca em punho, uma contradição face às informações divulgadas pela polícia. Segundo o canal, houve um confronto físico, com o suspeito a reagir à tentativa de detenção, mas a faca não terá sido usada e estaria dentro de uma bolsa encontrada posteriormente.

O comunicado da polícia, que partiu dos testemunhos dos próprios agentes, referia uma versão diferente dos acontecimentos, indicando que, “esgotados outros meios e esforços”, um dos agentes recorreu à arma de fogo e atingiu o suspeito, “em circunstâncias a apurar em sede de inquérito criminal e disciplinar”. A CNN noticiou ainda que um dos agentes admitiu ter feito três disparos, um para o ar e dois que atingiram a vítima, na zona da axila e no abdómen. Já na tarde de terça-feira o jornal Público avançava que o polícia teria disparado um total de quatro vezes: duas vezes para o ar e outras duas sobre Odair Moniz.

O autor dos disparos teria pouco mais de 20 anos e apenas um ano de serviço na PSP, o colega de patrulha que o acompanhava teria mais dois anos de experiência. As autoridades não vêem nisso algo relevante, tendo a PSP, na conferência de imprensa desta segunda-feira, sublinhando que o facto de os “polícias serem mais novos ou mais velhos não determina a sua capacidade” para o exercício das funções. “Os elementos policiais que exerciam a sua função têm a formação-base e essa formação determina que podem atuar em todo o território e em todas as circunstâncias”, defendeu Pedro Gouveia na conferência de imprensa.

“Cerca das 20h00, vários agentes, deviam ser uns 15, concentraram-se à entrada do prédio com equipamento de intervenção. Três deles arrombaram a porta fora da hora legal, sem mandado. Havia oito mulheres na casa, bateram em duas pessoas, uma rapariga de 19 anos e uma amiga da família. É um comportamento inaceitável e ilegal” e que dará lugar a uma queixa-crime. O relato foi feito ao Observador pela advogada do Movimento Vida Justa Catarina Morais, que representa a família da vítima.

“Dizem que não vão parar até matarem um polícia.” A segunda noite de violência nas ruas do Bairro do Zambujal

Segundo Catarina Morais, a polícia entrou na casa da viúva por duas vezes. Num primeiro momento, pelas 20h00, terão arrombado a porta e agredido duas pessoas, incluindo uma de 19 anos. Terão regressado cerca de uma hora depois, mas já com a advogada presente não entraram na casa, diz.

Na noite de terça-feira, marcada por desacatos entre a população e as forças policiais, o superintendente da PSP disse aos jornalistas não ter “elementos que permitam confirmar” essa versão: “Se está arrombada, não quer dizer que tenha sido a polícia. Vamos para situação de investigação a posteriori.” Já esta quarta-feira, a direção nacional da PSP referiu-se aos relatos da advogada do Movimento Vida Justa e dos familiares que estariam na casa da família de Odair na noite de terça-feira.

Na mesma conferência de imprensa, a PSP confirmou que, nessa noite, entrou “numa casa, que não a que está referida nas notícias veiculadas [a da família do homem morto na Cova da Moura], em apoio aos Bombeiros Voluntários da Amadora, que se deslocaram ao local para apoio médico a uma criança e por solicitação da família”. Quanto aos relatos de um arrombamento de portas, nomeadamente a de casa de Odair, a PSP negou “categoricamente o arrombamento de quaisquer portas”. A família, através da advogada, reitera que vai apresentar queixa-crime pelo que aconteceu.

Ao Observador, a Procuradoria-Geral da República confirmou a existência de um inquérito, conduzido pela Polícia Judiciária, “no âmbito do qual houve lugar à constituição de arguido” do agente que disparou sobre Odair Moniz. “O inquérito encontra-se em investigação e está sujeito a segredo de justiça”, indicou a PGR numa resposta escrita.

A investigação preliminar da Polícia Judiciária aponta para o uso desproporcional e injustificado de força dos agentes, com recurso a meios letais, uma informação avançada pela CNN Portugal.

O autor dos disparos foi constituído arguido por um crime de homicídio consumado, a arma de serviço foi-lhe apreendida para a realização de perícias e o agente da PSP está também a receber acompanhamento psicológico. O processo que está a decorrer na PJ é criminal, sendo que decorrem em paralelo dois outros: um inquérito interno da PSP e outro de natureza disciplinar aberto pela Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI).

Morte na Cova da Moura. Investigação sugere uso desproporcional e excessivo de força

O inquérito da PSP foi aberto logo após a morte de Odair Moniz, na segunda-feira. No mesmo dia a ministra da Administração Interna decretou a abertura pela IGAI de um inquérito “com caráter urgente”. Ao Observador, o ministério de Margarida Blasco confirmou que o inquérito foi “de imediato” desencadeado e que está em curso “para apuramento das circunstâncias que envolveram agentes da Polícia de Segurança Pública, na sequência de uma operação policial na madrugada de 21 de outubro, no Bairro Alto da Cova da Moura, que culminou com a morte de um cidadão.”





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