Só faltou a frase “E se corre bem?”. As perguntas foram diferentes, o clube também, o contexto ainda mais, mas a estreia de Ruben Amorim numa conferência de imprensa como treinador do Manchester United quase foi um prolongamento daquilo que tinha mostrado em março de 2020 no Sporting adaptado ao momento da carreira que atravessa. A humildade foi a mesma, a capacidade de criar empatia cresceu, as metas tangíveis continuaram como imagem de marca de alguém que quer ser reconhecido pelo que é e não por comparações com aqueles que admira ou que mais sucesso tiveram em Old Trafford. Ruben foi… just Ruben.
“Se o clube é aquilo que achava? É maior, há muitos departamentos. É muito maior do que o Sporting e o Sporting já é um clube grande. É um clube global, há muito mais para fazer do que apenas treinar a equipa. Tenho ajuda nesse processo mas sinto-me muito feliz e confortável. Sinto-me em casa”, começou por referir na parte da conferência com perguntas em inglês. “Razão para acreditar que o trajeto atual vai mudar? Sou sonhador, acredito em mim mesmo e nas minhas capacidades. Também acredito no clube, acredito que temos a mesma ideia. Acredito também imenso nos jogadores. Eu sei que vocês não acreditam assim tanto neles mas eu acredito muito neles. Quero tentar coisas novas também. Vocês pensam que não será possível, eu acredito que sim e no fim veremos”, salientou numa de várias mensagens para “dentro”.
“Reparar o United? Não penso em reparar o clube. Acredito que temos de melhorar em muitas áreas, principalmente na forma como olhamos para o jogo e tentamos entendê-lo. Sei que será muito para mudar e pedir aos jogadores, ainda por cima a meio da temporada. A capacidade física da equipa é outra das coisas que queremos melhorar durante este período inicial. Não sei quanto tempo demorará mas sei que quando se está num clube como o Manchester United que o mais importante é ganhar jogos. Sei que preciso de muito tempo, porque falamos da maior liga do mundo, e temos de melhorar muito para tentar vencê-la. Primeiro, temos de ganhar jogos para tentar ganhar títulos. Vamos implementar um estilo de futebol totalmente diferente. Não estou a dizer que serão as melhores ideias, são as minhas ideias e aqueles nas quais acredito mas não se tratará de uma revolução”, referiu de seguida, a propósito das mudanças em marcha.
De seguida, a conferência desviou-se para outro técnico português, José Mourinho, que teve passagens com sucesso e títulos pelo Chelsea e pelo Manchester United (só no Tottenham não teve troféus). “Mandou-me uma mensagem. Disse-me que vinha para um clube adorável, um grande clube e com pessoas amáveis. Está corretíssimo porque foi isso que senti. Estou uma pessoa diferente desde essa altura em que fiz aqui um estágio. Nessa altura estava a aprender, agora quero ensinar alguma coisa, principalmente aos meus jogadores. Mas o clube continua a ser grande, o maior em Inglaterra”, começou por dizer Amorim.
“Impacto da mudança de Mourinho para Inglaterra? Não foi só a mim que afetou mas a todos os treinadores portugueses. Mostrou-nos que podíamos ser os melhores do mundo, mesmo sendo nós de um país pequeno. Mas sou diferente de Mourinho, sou uma pessoa diferente. Nessa altura olhávamos para Mourinho e conseguíamos sentir que podia vencer em qualquer lado. Era um campeão europeu, eu não sou campeão europeu. Sou um tipo diferente, num momento diferente e também o próprio futebol está diferente. Acredito que sou a pessoa ideal para este momento. Sou um treinador jovem, consigo entender os jogadores e vou tentar isso para ajudá-los, um pouco como Mourinho também o fez no Chelsea. Se bem se recordam, nessa altura, os jogadores mais novos era o Lampard, esse tipo de jogadores. Hoje em dia, esse tipo de jogadores são diferentes. Daí acreditar que sou a pessoa ideal para este momento”, acrescentou a esse propósito.
“Acredito que posso ter um impacto rápido. Se estivermos a falar da forma como a equipa joga, acho que perdemos a bola demasiadas vezes. Temos também de ser melhores a correr para trás, acho que isso é muito claro e óbvio. Temos de ser muito bons nos detalhes. Às vezes olhamos para as coisas e queremos fazer grandes alterações mas acho que neste caso temos de olhar para as pequenas coisas, para os detalhes. É precisamente aí que temos de melhorar. Temos de mudar a forma como vemos o futebol e como a equipa funciona. É nesses pormenores que acho que posso ajudar imenso esta equipa e vai ser por aí que vamos melhorar imenso. Se os jogadores acreditam? Quando não se ganham jogos, começa a duvidar-se um pouco da ideia e do processo. É normal. Há coisas pequenas que se começam a sentir na forma como os jogadores andam, como caminham para o relvado ou até mesmo para o balneário. Conseguimos sentir se estão ou não confiantes. Eu acredito que isso é natural. Tenho de acreditar neles. Sei que tudo isto vai levar tempo. Têm de aplicar essa mudança de mindset e de forma de pensar e abordar o jogo”, destacou o técnico.
Não sou aquele tipo de treinador que gosta de mostrar que é ele que manda. Vão perceber isso nos detalhes. Posso sorrir muito mas quando há uma tarefa, serei uma pessoa diferente. Alex Ferguson? Ainda não o conheci mas é difícil copiar alguém. Tenho de ser eu. É um tempo diferente. Não posso ser quem Alex Ferguson foi mas posso ser exigente na mesma”, frisou.
Ainda nas respostas em inglês, Ruben Amorim abordou também a questão do mercado. “Se for um treinador que chega aqui e tem uma equipa montada pode dar-se mal e estar enganado. Temos de trabalhar com todos e melhorar com todos. Para isso, temos de melhorar todos os departamentos que estão ligados a esse fator. Temos de melhorar na informação sobre os jogadores, olhar para o que queremos para desempenhar as funções que idealizamos na equipa, também tenho de compreender a Liga. Quando tudo isso estiver alinhado, com os jogadores dentro desta ideia, podemos começar a pensar em comprar ou vender jogadores. Não estou a dizer que tenho a última das últimas palavras a dar mas, como devem calcular, a minha palavra tem um peso importante. Sou o treinador, devo ser eu quem escolhe os jogadores”, reforçou.
Em português, Ruben Amorim falou de Sporting… e da estreia frente ao Ipswich. “Em Portugal toda a gente já me conhece. Em Inglaterra, vão a tempo de conhecer-me. Boa sorte ao João [Pereira]. Quero que eles ganhem as competições todas. Gyökeres? Tem jogo hoje [sexta-feira, com o Amarante], espero que ele jogue bem, não se lesione e tenha sucesso no Sporting. Ipswich e objetivos? Podemos responder isso voltando ao passado, às coisas impossíveis de fazer e que acontecerem. Vamos jogo a jogo. O objetivo neste momento é ganhar ao Ipswich. É a única coisa que temos em mente porque sei que ganhando teremos uma semana melhor logo a seguir. O meu objetivo é esse: ganhar e ter mais tempo para preparar o jogo seguinte. Sei que é um trabalho difícil, que não há muita gente a acreditar, mas em Portugal já fizemos isso”, recordou.
“Qual é a minha filosofia? Muitas vezes o treinador tem uma ideia de jogo e tenta implementá-la no clube mas temos de olhar para a história do clube, do campeonato em que estamos. As pessoas aqui gostam de um jogo de ataque, intenso, mas temos de juntar isso à ideia do treinador, que também é alguém que gosta de jogar para ganhar. Juntando isso ao facto de esta ser uma Liga intensa, de choque, de golos… Temos de tentar juntar estes dois aspetos”, rematou Ruben Amorim na primeira aparição pública.