Chegou, foi recebido à porta do edifício principal do Centro de Treinos de Carrington pelos principais pilares da estrutura do futebol do clube, conheceu algumas pessoas ligadas a todo o complexo, teve oportunidade no dia seguinte de estar com os jogadores que ficaram em Inglaterra no período das seleções, visitou depois Old Trafford e todos os seus “segredos” espalhados pelos corredores e gabinetes. Em paralelo, foi alvo de uma primeira amostra do entusiasmo dos fãs a sair de um restaurante, cruzou-se com adeptos que estavam a fazer uma visita pelo estádio, aproveitou para brincar com a situação escolhendo quem jogava de início e quem ia começar no banco. Sem trabalhar, Ruben Amorim já está a “trabalhar”. E o sorriso diz tudo sobre isso.
Ao contrário do que aconteceu no Sporting, também por culpa da pandemia que deixou toda a gente em casa durante algumas semanas, o treinador está a ser “chamado” pelo clube. Não houve uma apresentação oficial, com conferência numa sala provavelmente cheia e a testar aquilo que é o “inglês básico” que admitiu preferir utilizar nos meses iniciais, houve várias “apresentações” que foram sendo feitas através das plataformas dos red devils quase que a criar um movimento de empatia antecipada dos adeptos com o técnico. Mas atribui isso um peso diferente? “É estranho porque é um sentimento de pertença no primeiro dia. Sei que vai ser difícil, sei que é um desafio enorme mas sinto-me bastante descontraído. Sinto-me em casa e acho que isso é importante no início. Por isso, estou muito entusiasmado”, apontou na primeira entrevista.
De fato de treino verde escuro da Adidas, marca que é o principal patrocinador de equipamentos do United, a entrevista ao canal do clube começou com a tão aguardada entrada no relvado de Old Trafford (algo que em termos oficiais só irá acontecer no dia 28, na receção ao Bodo/Glimt para a Liga Europa), Ruben Amorim foi mostrando grande descontração numa conversa com muitos sorrisos e com uma tónica a dar o mote a tudo o resto: a “ligação com o clube” que fez com que decidisse deixar o Sporting a meio da época pelo “desafio”.
“Toda a gente conhece o Manchester United mas sinto uma ligação com as pessoas do clube e isso é muito importante para mim porque quero trabalhar com pessoas de quem gosto e com quem sinto uma ligação. O segundo ponto é a história deste clube e também o momento em que penso que todas as pessoas têm fome de sucesso. Sinto que este é o sítio onde quero estar também por causa disso, porque se pode fazer parte de algo especial, não apenas mais um. E isso é algo de que gosto muito. Em Portugal muita coisa dos media mas quando se veem os jogos aqui, a interação com os treinadores, com os jogadores, mesmo nos momentos difíceis, acho que é um clube especial. Portanto, são muitas as razões. Mas a primeira razão é o facto de ser um clube com uma grande história”, apontou o antigo técnico do conjunto verde e branco.
Outro dos momentos que arrancou sorrisos foi a recordação do dia em que Cristiano Ronaldo falou de Ruben Amorim como o… poeta. “Sim, é verdade. Mas é uma coisa engraçada porque eu gosto de falar, não muito, mas quando falo, acho que falo com o coração. Acho que as pessoas sentem que foi uma coisa só para se divertirem. Dois jogos em Old Trafford como jogador? Não são muito boas as recordações. Não ganhei, por isso… Eu gosto de ganhar. Isto é muito importante para mim, divertir-me mas a ganhar. Lembro-me do público. Estávamos a ganhar 2-0 com o Sp. Braga mas depois eles apareceram e acabou tudo, perdemos”.
“Nova fase do clube? Quando o United falou comigo, o Omar [Berrada, diretor executivo] disse-me os seus planos e fiquei entusiasmado. É uma grande honra pois fui a primeira escolha para começar este trajeto. É uma grande responsabilidade mas sinto-me honrado. Sabemos que se a equipa jogar bem e ganhar, tudo irá parecer melhor e as pessoas vão começar a acreditar. Sabemos que somos o motor do futebol. O Manchester United é o motor da Premier League, na minha opinião”, comentou, antes de entrar mais num capítulo ligado ao futebol, da identidade que gosta de ver nas equipas ao próprio sistema tático.
“A minha filosofia numa palavra? Equipa. Se tiver de dizer uma palavra, é a coisa mais importante para mim. Se trabalharmos como uma equipa, o talento individual vai brilhar. Se tiver de explicar a importância de tudo, é o carácter, a forma como lutamos, a maneira como jogamos. Devemos ter uma identidade. Se os nossos jogadores vestirem a camisola, saberão que é a equipa do Manchester United. Toda a gente pensa da mesma maneira, a correr, a jogar, a desfrutar. É isso que me move. Toda a gente quer ganhar e quero ganhar com os meus jogadores, com os adeptos mas com uma identidade e uma ideia”, destacou. “Muita gente fala no 3x4x3, no 4x3x3 e essas coisas mas quando penso não se trata da tática mas sim do carácter dos jogadores, da forma como olham para o clube. Temos de nos focar nisso antes sequer da tática. O mais importante para mim nesta altura é criar princípios, identidade e o carácter que tínhamos no passado”.
“Sabemos que precisamos de tempo mas temos de ganhar tempo. Ganhar tempo é ganhar jogos. Mas o mais importante para mim é a identidade. Por isso, desde o primeiro dia, vamos começar a trabalhar a nossa identidade. Claro que vamos preparar os jogos mas vamos concentrar-nos muito no nosso modelo de jogo. Como jogar, como pressionar, estas pequenas coisas, pequenos pormenores. Não se pode ir a 100% em todos os pormenores, porque isso será confuso para os jogadores. Por isso, se tenho de dizer uma coisa, o meu principal objetivo, o meu primeiro objetivo, é a identidade. Primeiro jogo? Quero dizer-vos coisas bonita, mas sou muito sincero, o o que posso dizer é que acho que vão ver uma ideia. Podem gostar dela ou não, não sei, mas vão ver uma ideia. Vão ver um posicionamento, vão conseguir ver algo”, frisou o técnico.
Mais numa parte final, Ruben Amorim voltou a falar do peso histórico do clube também à boleia de todas as visitas que foi fazendo desde que chegou à cidade na segunda-feira. “Quando entras em Carrington, sentes o ambiente mas quando se vem cá, é muito diferente. Vê-se os troféus, a tradição, é possível compreender a história. Depois do acidente, fomos campeões europeus. É importante colocar este tipo de força na nossa equipa. Quando os jogadores chegam aqui, devem fazer sempre a mesma digressão. Se a história deve inspirar? Sem dúvida, é por isso que somos o Manchester United. Há muito tempo que não ganhamos a Premier mas se perguntarem o Manchester United é o maior clube de Inglaterra. Portanto, isto faz parte da história, não é de agora. Temos de mostrar isso e tentar ganhar novamente”, salientou o treinador.
“Mensagem aos adeptos? Dizer-lhes que é uma grande responsabilidade para mim. A primeira coisa é que me sinto muito honrado por estar aqui. Foi a minha única escolha, porque acho que sinto realmente a dimensão deste clube. Depois, vou fazer tudo pela equipa. Defenderei os meus jogadores se for preciso, sempre contra toda a gente. Esse é um ponto fundamental para mim e vou tentar fazer tudo para colocar este clube no lugar que lhe pertence. E acredito muito que vamos ser bem sucedidos”, concluiu Ruben Amorim, numa entrevista que incidiu apenas na nova aventura em Inglaterra sem passar pelo trajeto no Sporting.