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A repetição é a salvação na guitarra de Oren Ambarchi – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Abr 18, 2024

Quando a câmara do computador de Oren Ambarchi se liga, sai um “uau” espontâneo do lado de cá, seguido de um “bem, isso é muita música”. Por trás do músico estão prateleiras e prateleiras de discos. A surpresa não devia ter acontecido, porque Oren coleciona discos há décadas, é um comprador ávido e, acima de tudo, gosta de partilhar a música que vai descobrindo. Criou uma editora, a Black Truffle, no final dos 2000s e, desde então, tornou-se uma referência da música eletrónica e experimental contemporânea. Além disso, é apaixonado nas reedições: Oren escava fundo para nos dar a conhecer música que, ou ficou descatalogada, ou estava à espera de ser descoberta no sótão de alguém.

A surpresa acontece porque constatar visualmente algo é diferente de saber. Mas Oren resfria o espanto de imediato, dizendo, com muita humildade, até algo embaraçado, que aquilo é uma migalha, tem 192 caixas cheias de discos – a exatidão do número é espantosa – prontas para serem despachadas de Sidney para Berlim. Oren Ambarchi nasceu em Sydney em 1969, atualmente vive em Berlim, e tem uma carreira admirável no circuito da música eletrónica, experimental, metal, jazz, improvisação… Poderíamos continuar a nomear géneros.

A solo está no catálogo de editoras de referência do género, na Touch, na Editions Mego e, agora, na Drag City. Como músico, começou na bateria, mas no final da adolescência descobriu a guitarra e começou a desenvolver um importante corpo de trabalho aí. Discos como Grapes From The Estate ou In The Pendulum’s Embrace são uma referência da exploração de som com uma guitarra. Na última década, os álbuns a solo tornaram-se bolhas criativas onde convida os amigos – velhos e novos – para trabalharem conceitos específicas que quer desenvolver. Hubris (2016), Simian Angel (2019) e Shebang (2022) são ideias refinadíssimas através das quais o músico parte de detalhes de vários géneros (seja o disco ou o samba) para criar peças lindíssimas assentes em repetição e de como fazer crescer essa repetição.

Depois há a vida colaborativa. Seja os concertos anuais em Tóquio com Keiji Haino e Jim O’Rourke que depois edita na Black Truffle, os anos em que esteve muito ligado aos Sunn 0))) e Stephen O’Malley ou, mais recentemente, o projeto de jazz que tem com os suecos Johan Berthling e Andreas Werliin (que são 2/3 dos Fire!) materializado em dois álbuns, Ghosted (2022) e Ghosted II que será editado na próxima semana pela Drag City.

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Apesar disto tudo, Oren Ambarchi acha que faz pouco. Que poderia fazer mais. Falámos com o músico e editor há dias. Apesar de visitar Portugal com alguma regularidade, são poucas as vezes que vem a solo. É nesse formato que toca esta quinta-feira, 18 de abril, na Igreja St. George em Lisboa, às 22h.

[Oren Ambarchi numa sessão de experimentação ao vivo:]

Quando me disse que estava em Berlim, não me ocorreu que estivesse a viver de facto em Berlim. Assumi que ainda vivia em Sydney…
A mudança aconteceu um pouco antes da pandemia. A maior parte do trabalho que faço acontece na Europa, andava há anos a viajar de uma forma louca. Apercebi-me que era ridículo continuar a fazê-lo, fazia mais sentido viver na Europa. Em Berlim consigo ter um visto por ser artista, é uma espécie de “freelance artist visa”, o que é incrível. Se lhes mostrar que sou artista, eles dão-te um visto. O que é algo único.

Fascina-me a quantidade de trabalho que edita, sobretudo sabendo que toca com regularidade e gere uma editora. Como o faz?
Não toco assim tanto… Na verdade, sou algo preguiçoso, parece-me que poderia trabalhar muito mais. Poderia fazer muito mais coisas. Isto é o que sei fazer, é o que gosto de fazer. Adoro fazer discos, adoro gravá-los, adoro ouvi-los, comprá-los. A música tem um lugar muito próprio na minha vida. Por exemplo, a editora [Black Truffle] é uma forma de trabalhar continuadamente, porque estou sempre envolvido em algo: a editar ou a procurar música que gostaria de editar. Isso é algo que faz com que a minha atenção divirja e, por vezes, sinta que não me dedico tanto quando acharia que podia ao meu trabalho.

A Black Truffle vem de uma vontade de estar sempre ligado?
No início a editora existia para eu ter merchandise para vender nos concertos. No início, não a levava tão a sério como agora.

O que levou à mudança?
Coleciono discos e, por vezes, questionava-me porque é que certo álbum estava descatalogado, ou porque é que ninguém conhece este álbum? Até que levei com a boca clássica: “porque é que não és tu a editá-lo, se queres tanto que mais gente o conheça, podes ser tu a fazê-lo”. E, de repente, tornou-se nesse tipo de editora. E agora a coisa está mais ou menos descontrolada…

Uma das edições mais recentes é a banda-sonora de Asparagus [filme experimental de 1979]. Por coincidência, o Mubi fez uma retrospetiva do trabalho da [realizadora] Suzan Pitt…
Foi uma coincidência estranhíssima. Vi o filme há uns tempos no YouTube, já tinha ouvido falar nele e quando acabei de o ver não conseguia acreditar que todas aquelas pessoas estiveram envolvidas na banda-sonora: o Richard Teitelbaum, o Alvin Curran, o Steve Lacy… fiquei mesmo, mas que raio!? Isto é verdade? Nessa altura, estava em contacto com a mulher do Teitelbaum, por causa do álbum dos MEV [Musica Elettronica Viva, coletivo do qual Teitelbaum fez parte] que editei no ano passado. E perguntei-lhe pela banda-sonora, mas ela não estava familiarizada com aquilo. Foi à procura nos arquivos… insisti muito, fui muito chato para dizer a verdade. Até que finalmente encontraram as fitas. Inicialmente, era para ser um LP simples, mas a dado momento ela encontrou uma série de outras versões dos temas que nunca chegaram a ser usadas e perguntou se queria usar. Foi ficando maior e maior… [acabaria por ser editado em formato 2LP].

Vasculhar em arquivos é fascinante.
É um processo interminável e há tanta coisa boa por editar… e a esperança é que a nossa excitação por este género de coisas passe também para outros. Essa é a minha motivação.

Vive numa era diferente, onde a gravação — e arquivo — de música se processa de forma diferente. Tem algum material que imagina vir a ser descoberto daqui a quarenta anos por uma editora tipo a Black Truffle e um colecionador e músico como o Oren Ambarchi?
Das minhas coisas? Não faço ideia…. Sou muito meticuloso com o que edito. Especialmente com o que faço a solo. Sou muito picuinhas com o que edito. Por vezes penso nisso, ando aqui a descobrir material obscuro de artistas que respeito e admiro e, por vezes, imagino como seria se estivesse morto e alguém andasse a procurar no meu material e achasse fascinante coisas pelas quais me sinto algo embaraçado, que não queria mesmo editar. É um tópico interessante. Embora seja picuinhas, sou aberto a editar gravações de um concerto que teve uma boa vibe e que acho que merece ficar documentado.

Foi sempre picuinhas?
Sim e não. Tenho amigos que andam a trabalhar numa coisa há 10/15 anos e nunca a editaram porque ficaram fartos dela: trabalharam tanto, tanto nela, ficaram obcecados com a ideia de criar uma obra-prima que encapsula tudo o que fizeram na sua vida. Não tenho essa atitude, para mim isto é um puzzle, um álbum é mais uma peça desse puzzle, de algo que vai na criatividade ou na vida criativa de alguém a dado momento. Considero-me sortudo por conseguir editar algum material sabendo que não está perfeito. Se não fosse assim, gravar álbuns seria um processo interminável, porque nunca estão perfeitos. E eu quero partir para outra, gravar um álbum onde experimento uma coisa diferente do que tentei anteriormente.



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