Com este plano em marcha, ficava pelo caminho a candidatura de Francisco Assis — sem garantias de que esta venha a concretizar-se daqui a dois anos. Desde logo porque, numa legislatura onde o perigo de instabilidade está comprovado e para a qual muitos antecipam uma morte prematura, um compromisso para 2026 pode não ser mais do que uma miragem. Depois, porque o próprio Assis não quererá sentir-se “aprisionado” no papel de candidato prometido, que lhe restringiria a liberdade de movimentos.
Assim, como o próprio Assis disse ao Observador esta tarde, “este é um entendimento entre os dois partidos; daqui a dois anos avaliaremos quem deve ser o deputado ou deputada em melhores condições para presidir à Assembleia da República”. Ainda assim, se Assis ainda estiver, nessa altura, disponível para assumir o compromisso, é agora assumido no PS que ninguém deverá colocar obstáculos: terá o caminho aberto e a legitimidade para isso. Ainda para mais, tendo sido o candidato mais votado nas duas rondas em que participou de improviso — aliás, muitos socialistas, quando ainda não estavam a par da solução proposta por Pedro Nuno Santos, defendiam que o socialista devia continuar em jogo até ao fim.
A maior parte da bancada só percebeu mesmo o que estava a acontecer quando ouviu a novidade, durante a reunião do grupo parlamentar. Mas rapidamente se consensualizou que a decisão era “inevitável”, como descreve um deputado: ou o PS deixava a situação “arrastar-se mais uns dias” ou tomava já a dianteira, assumindo a “responsabilidade” de acabar com o impasse.
Para Pedro Nuno Santos, a proposta passava a constituir-se como uma oportunidade para mostrar que tem “capacidade de iniciativa e liderança” para ultrapassar obstáculos, como viria dizer ao fim da tarde, quando acusou Montenegro de aparecer no encontro entre os dois sem nenhuma “solução” para apresentar. Por isso mesmo, os socialistas passaram o dia a frisar que a “iniciativa” foi deles — uma tentativa de marcar território que foi audível nos apartes que saíram da bancada socialista quando o nome de Aguiar Branco se viu finalmente aprovado (“O PS resolve!”).
Faltava a segunda fase do plano, porventura ainda mais complicada do que a primeira: a partir de agora será preciso “separar bem” as coisas, como resume um deputado ao Observador. Ou seja: o PS tinha a consciência de que o Chega apareceria, como apareceu, imediatamente pronto a acusar o PS de se ter transformado na muleta do PSD, desejoso de se anunciar como líder da oposição. E é esse lugar que o PS não quer deixar vago, e muito menos ocupado pelo Chega.
Ainda antes de Pedro Nuno, foram dois nomes associados à ala mais centrista do PS — Eurico Brilhante Dias e Francisco Assis — que quiseram sair da reunião da bancada do PS para esclarecer aos jornalistas que o alinhamento circunstancial com o PSD, fruto da vontade de proteger as “instituições” e a “civilidade”, não daria o mote para qualquer entendimento programático ou de fundo.
O resto do dia do PS foi passado a tentar deixar clara essa separação: pelas publicações dos deputados nas redes sociais repetiam-se as mesmas expressões sobre um PS que “mostrou ser o adulto na sala” nesta circunstância, enquanto o PSD mostrava que nem consegue liderar, nem tem uma maioria estável à sua disposição. Mas isso não significa que haja qualquer consenso “programático” entre as duas forças, nem que vão passar a negociar políticas concretas.
Pedro Nuno Santos surgiria ao fim do dia, no Parlamento, para selar essas promessas: não pode haver “nenhuma confusão” quanto à posição que o PS assume relativamente ao PSD, garantiu; “O PS não será suporte de um governo da AD e é bom que isso fique claro para todos”, insistiu. Terá, previsivelmente, de ouvir o Chega a partir de agora a insistir no contrário, tendo como palco um Parlamento fragmentado e imprevisível.
Assim que foi conhecido o acordo, André Ventura chamou-lhe um figo. “Tendo havido um acordo entre PS e PSD, parece que fica evidente que só haverá um partido que fará oposição. Que será o Chega. O PSD escolheu com quem fazer verdadeiramente os seus acordos”, atirou Ventura, deixando no ar a ameaça de que irá votar contra o Orçamento do Estado para 2025 — o que obrigaria, necessariamente, Montenegro a ter de se entender com os socialistas.
No seu primeiro discurso nas novas funções, Aguiar-Branco não esqueceu a dificuldade que teve em ser eleito e a estranha circunstância em que está envolvido, sendo, na prática, um presidente da Assembleia da República a prazo. “Se há alguma coisa que aprendemos ontem é que não devemos desistir da democracia. Eu não desisto. Repensar o regimento para o que aconteceu ontem não se volte a repetir. A bem da democracia”, sugeriu.
Pelo PSD, apenas uma pessoa falou sobre o acordo — e depois de ter sido antecipado na reunião da bancada parlamentar do PS. Joaquim Miranda Sarmento, que é ainda formalmente presidente do grupo de deputados até à eleição de Hugo Soares, falou aos jornalistas, numa declaração sem direito a perguntas, para dizer que era preciso “ultrapassar o impasse” e “não deixar o Parlamento e o Governo ficarem parados”. Há problemas graves no país. Este impasse não serve os interesses dos portugueses”, sentenciou. Luís Montenegro permaneceu sempre em silêncio.