As bancadas do PSD e do CDS vão propor que o acesso de estrangeiros não residentes em Portugal e que não sejam beneficiários do Serviço Nacional de Saúde (SNS) seja sempre “acompanhado da apresentação de documento comprovativo de cobertura de cuidados de saúde pelo sistema de saúde do respetivo país de nacionalidade ou residência”. O objetivo assumido desta proposta, que passa por uma alteração cirúrgica à atual Lei de Bases da Saúde, passa por aquilo a que se convencionou chamar de “turismo de Saúde“.
Na prática, e salvo naturalmente quando estiverem em causa cuidados urgentes e vitais, aqueles cidadãos que, não sendo portugueses, pertencentes a Estados-membros da União Europeia ou equiparados, nacionais de países terceiros com quem Portugal tenha acordos bilaterais ou apátridas, terão sempre de se fazer acompanhar por um documento que comprove que estão abrangidos pelos serviços de saúde dos respetivos países de origem ou dos países de residência — para que depois possam pagar as respetivas despesas.
Até aqui, e segundo o ponto 2 da base 21 da atual Lei de Bases da Saúde, eram beneficiários do SNS todos aqueles que fossem portugueses, cidadãos, com residência permanente ou em situação de estada ou residência temporárias em Portugal, que sejam nacionais de Estados-membros da União Europeia ou equiparados, nacionais de países terceiros ou apátridas, requerentes de proteção internacional e “migrantes com ou sem a respetiva situação legalizada, nos termos do regime jurídico aplicável”.
Agora, e de acordo com esta proposta conjunta de PSD e CDS, desaparece a referência a “migrantes com ou sem a respetiva situação legalizada” e acrescenta-se um quinto ponto: “O acesso de estrangeiros não residentes em Portugal e que não sejam beneficiários do Serviço Nacional de Saúde, nos termos previstos nos números anteriores, deve ser sempre acompanhado da apresentação de cartão de identificação oficial, bem como de documento comprovativo de cobertura de cuidados de saúde pelo sistema de saúde do respetivo país de nacionalidade ou residência, exceto no caso de carecerem de cuidados urgentes e vitais”.
Em declarações ao Observador, Miguel Guimarães, primeiro vice-presidente da bancada do PSD e antigo bastonário da Ordem dos Médicos, explica que o objetivo desta proposta é travar o acesso indevido ao SNS, por pessoas que, não estando exatamente em situações de urgência, utilizam a rede pública de forma irregular e sem terem feito qualquer contribuição para esse efeito. Um fenómeno ainda pouco documentado e sobretudo concentrado na Área Metropolitana de Lisboa, concede Miguel Guimarães, mas que, se não for travado, pressionará ainda mais o serviço público.
“Estamos até aqui, no fundo, a oferecer cuidados de saúde a pessoas que, teoricamente precisam de um serviço de saúde, naturalmente, mas que teriam de pagar o serviço de saúde prestado, tal como acontece connosco quando vamos a um país qualquer fora do espaço da União Europeia ou no resto do mundo”, exemplifica Miguel Guimarães.
De acordo com os dados da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), nos últimos quatro anos, quase 330 mil de estrangeiros não residentes em Portugal foram atendidos nos hospitais públicos e mais de 140 mil não estavam abrangidos por seguros ou acordos internacionais, de acordo com os resultados do inquérito. O número de estrangeiros assistidos tem vindo a aumentar desde 2021 e a especialidade de obstetrícia é a que recebe mais utentes estrangeiros não residentes.
“Neste contexto, existe um fenómeno que não pode ser ignorado é o que consiste na recente e indesejável utilização do SNS por parte de estrangeiros não residentes, que se deslocam ao nosso país exclusivamente com o propósito de beneficiarem gratuitamente de cuidados e serviços de saúde ou de tratamentos médicos, não raro dispendiosos, em termos idênticos aos assegurados aos legítimos utentes do SNS”, pode ler-se no preâmbulo da proposta entregue pelas bancadas da AD.
Miguel Guimarães espera agora que estas alterações possam ser aprovadas com os votos do PS e/ou do Chega. Ainda assim, o vice-presidente da bancada parlamentar social-democrata não deixa de assinalar que a a grande inspiração para esta proposta vem do anteprojeto de lei de bases assinada pela socialista Maria de Belém Roseira, quando esta foi convidada pelo governo de António Costa para liderar uma comissão de revisão — anteprojeto que depois, em plenas negociações entre PS, Bloco de Esquerda e PCP, seria praticamente ignorado.
“Espero que todos os partidos estejam disponíveis para regular uma situação que, neste momento, está irregular em Portugal. Esse diploma foi um processo deliberado Maria de Belém Roseira, uma pessoa que tem inúmera experiência nessa área, que foi ministra da Saúde e de outras áreas. É incompreensível a Lei de Bases de Saúde esteja da maneira que está. É um caso praticamente único a nível europeu”.