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Adrianne Lenker dança sozinha até ao fim do amor – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Mar 26, 2024

Houve ali um momento na carreira de Bob Dylan, quando o americano estava a começar, em que, mesmo que assim o desejasse, ele não conseguiria falhar: da estreia com Bob Dylan (1962) até Nashville Skyline (1969) foi grande disco a seguir a grande disco, com particular destaque para a sequência Bringing It All Back Home (1965), Highway 61 Revisited (1965) e Blonde on Blonde (1966); há quem inclua John Wesley Harding (1967) no cerne do melhor Dylan, mas aqueles três parecem estar ligeiramente acima dos outros.

Não é caso único – os três primeiros discos de Leonard Cohen vão sempre em ascensão até Songs of Love and Hate, enquanto Neil Young, em meros cinco anos, ofereceu-nos After the Gold Rush (1970), Harvest (1972), On the Beach (1974) e Tonight’s the Night (1975). Joni Mitchell foi de Blue (1971) a The Hissing of Summer Lawns (1975), passando por For the Roses (1972) e Court and Spark (1974), e isto para nos atermos apenas a nomes grandes da folk. Às vezes, simplesmente, uma febre possui os músicos e eles exsudam canção perfeita atrás de canção perfeita.

Por norma isto acontece no início da carreira e depois o toque de Midas vai-se lentamente evaporando. Com o tempo, vai sendo mais difícil escrever canções simples e frescas, vai sendo mais difícil alguém reinventar-se – acontece a todos, acontece sempre; mas ponham a tocar Sadness as a Gift, a segunda canção de Bright Future, de Adrianne Lenker (a compositora, guitarrista e vocalista dos Big Thief) e respondam-me: esta rapariga já falhou alguma vez? Já fez uma canção que fosse menos que boa? Já fez um disco que não soasse extraordinário, único, com quedas abissais e subidas extasiantes?

[o vídeo de “Fool”:]

OK, pode argumentar-se que esta ou aquela canção podiam eventualmente não ser incluídas neste ou naquele disco, que daí não viria grande mal ao mundo. Mas é difícil encontrar uma compositora atual com uma discografia tão irrepreensível quanto a de Lenker: ao leme dos Big Thief lançou cinco discos absolutamente extraordinários, que reviraram a nossa ideia de folk e de beleza: Masterpiece (2016), Capacity (2017), U.F.O.F. (2019), Two Hands (2019) e Dragon New Warm Mountain I Believe in You (2022) são obrigatórios na discografia de qualquer melómano que se preze; mas os discos a solo, de Abysskiss (2018), ao recém-lançado Bright Future, passando por Songs (2020) e Instrumentals (2020) não são menos preciosos – podem não ser gestos artísticos tão grandiosos ou exploratórios, mas têm uma vertigem de intimidade que parece já não existir na música do nosso tempo.

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A carreira de Lenker – se é que se pode chamar carreira ao trajeto de alguém que vive onde calha e passa quase toda a sua vida a compor e gravar incessantemente, sem se preocupar minimamente com as expectativas da sua audiência – parece ter três modus operandi: em Masterpiece e Capacity, os Big Thief criaram uma ponte entre o indie-rock e a folk, e empenharam-se em criar canções que funcionavam como histórias e em personagens tão específicas quanto universais (qualquer pessoa se revê na pequena tragédia e luta interior a ocorrer em Paul); estavam a cantar sobre a família, os desamores, os pecados, as falhas que nos moem e enchem de culpa.



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