Ao mesmo tempo que achamos que as crianças sofrem de défices de atenção, por mais que nada do que se passa à sua volta as iluda ou lhes escape, imaginamos, vezes demais, que os adolescentes vivem repartidos por tantas coisas ao mesmo tempo que não andam senão alheados de quase tudo o que se passa à sua volta. Tão alheados que não podem senão deixar de ser manipuláveis. Ou de estar à mercê das “más influências”.
Contando só com o que se passa no digital, é verdade que os adolescentes estão expostos, desde muito cedo, a conteúdos de redes sociais que não deviam estar ao seu alcance. É verdade que, nessas circunstâncias, as redes sociais são um atentado à sua saúde mental. E é verdade que lidamos como eles como se, para efeito de redes sociais eles, aos 12 ou aos 13, fossem maiores. E se regulassem sozinhos. Sem precisarem dos pais para isso.
No entanto, talvez não estejam tão alheados assim. Foram os adolescentes que nos recordaram que não há um planeta B. São os adolescentes quem mais nos educa para a paridade de sexos. Ou para o respeito com as minorias. Apesar de, aos nossos olhos, eles serem “só” adolescentes.
Mas serão eles “só” adolescentes, se usam de forma expedita a palavra? Afinal, eles vivem num mundo onde as mães, sobretudo elas, começaram uma revolução de veludo (inacreditável e silenciosa) quando, independentemente da sua formação e da sua condição social, passaram a contar, desde muito cedo, histórias aos seus filhos, antes deles adormecerem. E as editoras, duma forma hábil, trouxeram hábitos de leitura até às crianças de 7 e de 8 anos, reabilitando, num formato adequado, histórias que fizeram parte do crescimento dos seus pais. E as redes sociais, que não só más, passaram a divulgar livros e autores que os animam os adolescentes para a leitura como, dantes, não acontecia.
Mais horas de histórias contadas e mais e melhor leitura, a seguir, tornaram os nossos filhos mais amigos da palavra. E isso faz deles, por inerência, mais atentos e mais saudáveis. A palavra é o melhor instrumento de saúde mental do mundo! A palavra educa-lhes a sensibilidade, torna a sua intuição mais acutilante e a sua inteligência mais emocional. Melhor relação com a palavra torna-os, também, potencialmente mais inteligentes. Mas isso “exige” que palavra lida e palavra dada andem, todos os dias, de mãos dadas.
Ao mesmo tempo que eles têm uma relação inacreditável com a palavra, têm acesso a videojogos, o que os capacita para a lógica e para a abstracção. E a imensas solicitações audio-visuais que lhes trazem mais recursos emocionais que precisam, eles próprios, da palavra para que se chegue à síntese. À capacidade de discorrer de forma clara e produtiva. Ao engenho da surpresa e do espanto. E à criatividade. Só que o audiovisual para além do “quanto baste” atrofia a fala. E pode tornar adolescentes expeditos em pessoas que murmuram mais do que se exprimem. Serem mais expeditos com as palavras mas guardarem-nas mais do que deviam pode torná-los frágeis. A palavra configura o pensamento. Daí, em primeiro lugar, a importância da leitura. Mas exige que ela seja co-validada com o contraditório da comunicação. Daí a importância da fala. Para que se pense o mais complexo de forma sempre mais simples.
Ora, se escutamos pouco aquilo que os adolescentes têm para nos dizer e parecemos imaginar que as suas palavras não têm que “bater” nas nossas para que, umas com as outras, se tornem mais claras — como se, todos nós, não precisássemos de falar e de falar uns com os outros, porque só as palavras nos levam a conhecermo-nos e a conhecer — corremos o risco de os entregar às redes sociais e aos grupos de adolescentes. Para que eles procurem aí as interpelações e as respostas que não lhes chegam de nós.
Mais e melhores palavras educam como mais nada a sensibilidade dos nossos filhos. E tornam-na mais fina e mais acutilante. Mas se os tornamos mais competentes para a palavra e, a seguir, falamos de menos uns com os outros, tornamo-nos pessoas sensíveis que se empurram, mutuamente, para a solidão. Solidão que as redes sociais instrumentalizam, de seguida, duma forma sôfrega. Não são elas, afinal, que os corrompem. Somos nós que nos pomos a jeito para deixarmos que as palavras que não lhes dizemos os delapidem, aos bocadinhos, todos os dias.
Tudo isso levou-me a recordar aquilo que eu já ouvi muitas vezes quando, depois duma intervenção pública, acaba por existir sempre uma pessoa que me diz:
– Gostei muito de o ouvir. Mas não concordo com tudo o que disse…
– Muito obrigado! – respondo eu.
– Mas não concordei com tudo o que disse – vinca essa pessoa, logo a seguir…
– A sério?…
– A sério!
Mas sabe que nem eu mesmo concordo sempre comigo? — respondo, habitualmente, antes de conversarmos.
Nós estamos sempre a repensar. A utilizar novas palavras sobre tudo o que já dissemos. Mas com o que é que ganhamos mais: com o facto de termos quem concorde, mesmo que tácita e silenciosamente, com tudo o que damos, como se os outros fossem algoritmos em tudo coincidentes com os nossos? Ou por haver quem discorde de nós, levando-nos a repensar mais e melhor tudo o que supúnhamos saber?
É por isso que, quer em relação às crianças como com os adolescentes, parece-me que não escutamos tanto assim aquilo que eles têm para nos dizer. Queremo-los, sobretudo, quietos e calados. Por mais que isso nos leve a imaginá-los distraídos e alheados. E por mais que as palavras de que eles são capazes batessem, sobretudo, na solidão que os ajudamos a construir. Como se as palavras que nunca lhes dizemos não fossem indispensáveis para que todos crescêssemos. Pessoas que renunciam à palavra transformam entusiasmo em mágoa.
Sim, somos animais de palavra! E animais de palavra precisam de ler. E precisam de falar. Se educamos tão bem os nossos filhos para a palavra porque é que, depois deles serem bebés, nos desmazelamos tanto e parecemos ficar preguiçosos e deixamos de os intuir e de falar por eles? Precisamos — todos! — de cultivar a palavra (cultivar a palavra… Já viram como somos sublimes nalgumas expressões?…). Já quando os imaginamos ora distraídos ora alheados, deixamos pessoas inacreditavelmente educadas a ser consumidas pelas palavras dos outros. Que, muitas vezes, como se fosse uma ocupação selvagem, preenchem os silêncios que deixamos devolutos. E isso é mau!