Muitas unidades ultrapassam largamente o valor orçamentado, particularmente na rubrica dos medicamentos, porque não têm verba suficiente para acomodar o custo de fármacos inovadores e com benefício clínico comprovado, sublinha o presidente dos gestores hospitalares. “O cálculo do financiamento dos hospitais é feito não considerando a inovação terapêutica que se introduz. Estão a aparecer constantemente medicamentos novos que custam milhões de euros, na oncologia e na neurologia, por exemplo. Estes fármacos inovadores não são considerados quando o estado calcula o financiamento de cada hospital com um ano de antecedência”, vinca Xavier Barreto, alertando para a necessidade de ser implementado “um mecanismo mais ágil de forma a ir ajustando o financiamento em função da inovação”.
E, perante a recusa de um visto prévio, de que forma os hospitais contornam o problema? Xavier Barreto explica que, geralmente, o que as unidades fazem “é pedir um empréstimo do medicamento a um outro hospital ou recorrer à indústria farmacêutica — que muitas vezes coloca o medicamento no hospital”, na expectativa de ver a dívida saldada no final do ano, altura em que, habitualmente, o Ministério da Saúde faz uma injeção extraordinária de dinheiro nos hospitais. Se ignorarem a obrigação legal de pedir visto prévio ao Tribunal de Contas e decidirem avançar com a compra, os hospitais e os próprios administradores ficam sujeitos a multas, sublinha o presidente da APAH.
Regressando aos acórdãos do TdC, o maior hospital da zona Norte — o São João — também se viu confrontado com a recusa de vistos prévios. Em setembro de 2019, os juízes negaram o visto a dois contratos para aquisição de três fármacos: o infliximab, usado no tratamento de doenças do intestinais (Doença de Crohn e Colite Ulcerosa), o rituximab (indicado no tratamento do Linfoma não Hodgkin e da Artrite reumatóide) e do trastuzumab (para o cancro da mama).
Em agosto de 2019, o Centro Hospitalar de Trás os Montes e Alto Douro viu recusados dois contratos (para o fornecimento de alimentação e para o tratamento da roupa) num valor global superior a sete milhões de euros. Logo em janeiro desse ano, quando o contrato foi feito, o centro hospitalar já tinha previsto gastar mais 45 milhões de euros do que o orçamentado.
Em julho, mais uma ‘nega’, desta vez dirigida ao Hospital Amadora-Sintra que tinha submetido ao TdC um contrato para assistência técnica a dispositivos médicos, no valor de 1,7 milhões. A meio desse ano, os fundos da unidade hospitalar já se encontravam (muito) negativos: – 93 milhões de euros. No mesmo mês de 2019, os juízes do TdC negaram ao IPO do Porto a contratação de serviços de gestão de resíduos hospitalares perigosos, num valor de quase 1,4 milhões de euros.
O Centro Hospitalar do Baixo Vouga, que tinha sede em Aveiro, também viu recusado visto para a aquisição de serviços de confeção, fornecimento e distribuição de alimentação aos doentes e funcionários. Já o Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa (de que fazia parte o Hospital de Penafiel) quis contratar serviços de telerradiologia, por 12 meses, no valor de 1,6 milhões de euros, mas o TdC recusou conceder o visto devido aos fundos negativos do centro hospitalar.
O mesmo aconteceu ao Hospital de Guimarães, que viu recusada autorização para comprar, por 1,2 milhões de euros, várias formulações de Etanercept, um fármaco injetável indicado no tratamento de doenças do foro reumatológico.
Hospitais veem compra de medicamentos recusada por terem saldo negativo
Questionado pelo Observador sobre a recusa de vistos a contratos realizados por hospitais, o Ministério da Saúde remeteu para as declarações feitas, a 21 de maio, por Ana Paula Martins. No Algarve, e quando questionada sobre a recusa de visto à compra de fármacos oncológicos por parte do IPO de Coimbra, a ministra da Saúde defendeu que não está apenas em causa o modelo de financiamento, mas também “dimensões legais”.
“Acho que é mais do que o modelo de financiamento, acho que há outras questões de natureza regulamentar e legal, que é preciso ter em conta, na atividade da saúde que é uma atividade complexa e, muitas vezes, também ela própria imprevisível no sentido da incerteza. Há muitas situações que enfrentamos, a questão de novos medicamentos, novos meios complementares que diagnóstico, que às vezes, a meio do ano, temos de integrar no nosso arsenal terapêutico e que precisam de ter alguns ajustes, não só no modelo de financiamento mas também nas dimensões legais”, disse a titular da pasta da Saúde, sem adiantar qualquer medida em concreta.
Xavier Barreto realça que Ana Paula Martins tem “consciência do problema”. “Foi presidente de um hospital [de Santa Maria] e geriu estas situações com grande angústia e dificuldade“, realça o gestor hospitalar, lembrando que, no passado, a atual ministra disse que “os processos administrativos [de que dependem os hospitais para comprar medicamentos] não são compagináveis com as janelas terapêuticas, dizendo claramente que estão a prejudicar os doentes”.
O Tribunal de Contas diz-se também preocupado e repete o apelo feito nos últimos anos. Deve ser “ponderada uma solução legislativa adequada que resolva o problema da falta de fundos disponíveis no Serviço Nacional de Saúde (SNS), sob pena de o Tribunal de Contas ter de continuar a recusar o visto a contratos que não satisfaçam esta obrigação legal”, avisa o tribunal.