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As incoerências da direita populista radical – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Jun 30, 2024

Na revista Le Point de 20 de Junho, os economistas Olivier Blanchard e Jean Tirole, escrevem sobre  os três embustes do partido Reagrupamento Nacional, presidido por Jordan Bardella. Desde mais despesa pública e uma redução dos impostos, passando pelo proteccionismo, até à fé no crescimento económico só porque o Estado gasta mais e recebe menos. Basicamente, o partido da família Le Pen não percebeu o que foi a crise da dívida entre os anos de 2009 a 2015. Não compreendeu que num país com um défice das contas públicas a rondar os 5% do PIB e um endividamento do Estado a ultrapassar os 110% do PIB, a expectativa é de que os receios de incumprimento atinjam proporções tais que tornem inevitável a especulação financeira contra o Estado francês. Como cereja em cima do bolo, Blanchard e Tirole terminam o texto com uma ironia assassina sobre que tipo de soberania seria a de Le Pen e de Bardella, com o FMI em mandar em Paris.

Esta incoerência da direita populista em assuntos económicos é relevante porque houve regiões, como na Bretanha, em que o RN ganhou e onde os temas que mais preocupam os eleitores não são nem a imigração nem a insegurança, mas os baixos salários e o emprego precário. A direita populista (que se diz nova, mas que é velhíssima) venceu nestas regiões porque repete o discurso que até há poucos anos pertencia à esquerda, também populista. As dificuldades económicas, a frustração e a fraqueza delas derivadas alimentam o entusiasmo e os apelos emocionais de Marine Le Pen e Jordan Bardella, embora não resolvam absolutamente nada. Pelo contrário, a implementação das suas propostas darão azo a mais desemprego e a salários ainda mais baixos. Porquê? Simplesmente porque as empresas que investem em país excessivamente endividados esperam precisamente isso: empregos precários e salários baixos. É esse o preço do risco que correm.

Mas a incoerência da direita populista não é apenas económica. Chega também à política migratória. Nesta matéria, e antes de mais nada, vale a pena repetir que o discurso de Marine Le Pen e Jordan Bardella não é novo. Pelo contrário, tem anos. E não, não me refiro ao fascismo ou ao nazismo nem às várias correntes de extrema-direita que assolaram a Europa nos anos 30. Não é aí que esta nova versão do populismo francês tem as suas raízes, mas nos finais do século XIX quando a Longa Depressão atingiu a Europa e os EUA e levou ao surgimento de idênticos fenómenos populistas.

Aliás, é nos finais do século XIX que devemos procurar as soluções para os actuais movimentos populistas. À semelhança do que assistimos hoje, o último quartel do século XIX também foi marcado por uma revolução tecnológica, descobertas científicas de relevo, produção em grande massa e o surgimento de novas formas de energia, como o petróleo e a electricidade. A grande exposição de Paris, em 1889, foi o sinal mais festivo desses tempos de rápida mudança que melhorou em muito a vidas das pessoas, ao mesmo tempo que deu origem a interrogações várias e a muitas incertezas, nomeadamente entre os mais desfavorecidos. Como seria o futuro? O que seria dos seus empregos? Por que razão as diferenças salariais se agravavam em vez de se reduzirem?

Se juntarmos a este cenário o fluxo migratório da época, que se acentuou devido à necessidade de mão-de-obra dos países mais industrializados, torna-se ainda mais evidente que a comparação da crise actual não é com a dos anos 30 do século passado, mas com a dos finais do século XIX. Tal qual os EUA (que também à data lidavam um ameaça populista), a França foi um dos países que recebeu milhares de imigrantes vindos, essencialmente, da Bélgica e da Itália. Não foi agora, mas nessa época que a teoria da grande substituição surgiu e ganhou ímpeto. 150 anos depois, o presidente do partido da direita populista, que se reclama defensor a identidade francesa é descendente de italianos e de argelinos. Bardella diz-se francês, e com razão. Tão assim é que ninguém o contraria. Talvez porque ser francês (como português, espanhol ou polaco) seja uma nacionalidade e não uma raça ou sequer um credo, como se vê na nação alemã e a história da França o demonstra. É que as nacionalidades evoluem. Sustentam-se na cultura, num sentimento de pertença que Bardella devia compreender, caso não encabeçasse um discurso político de gente nova com a cabeça saturada de ideias velhas e a urgência de sempre: ganhar votos.

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