Quando a interrogo acerca do seu interesse no poker, Rhonda fala-me do frio canadiano, que levava a que os serões em família fossem passados ao pé da lareira, a jogar às cartas. Essas memórias, associadas à paixão pelos números, ao amor por Dominick e ao interesse em conhecer o mundo, através de pequenas excursões que nunca deixa de documentar no Facebook, fizeram com que, em 2019, se apaixonasse definitivamente pelo poker, ao ponto de no dia anterior, depois de aterrar em Lisboa às seis da manhã, ter passado sete horas seguidas no casino, de onde só saiu à uma da manhã.
A seguir, fala-me dos vários episódios de misoginia de que foi vítima nas mesas de jogo, onde já lhe disseram que em vez de jogar deveria estar a servir bebidas aos participantes. Rhonda encara isso com tristeza, mas explica-me que tem sabido usar os preconceitos destes homens, convencendo-os de que a sua condição feminina a torna inapta para este jogo, o que por sua vez aumenta a confiança dos rivais, que assim caminham alegremente para a ruína.
Regresso ao recinto, agora ligeiramente mais composto. Numa das mesas, o marido de Rhonda, com um chapéu de Bratislava, vai acumulando fichas. Na outra ponta da mesa, há um ligeiro desentendimento entre dois jogadores. Um rapaz de trinta e poucos anos acusa um outro, com sotaque portuense, de o ter desrespeitado ao dizer que na última mão tivera mais sorte do que juízo, concluindo essa sentença com o equivalente nortenho de “pá”. O dealer parece ignorar o que se está a passar, o que contribui para serenar os ânimos — ou então é uma técnica apurada ao longo de centenas de mesas.
O incidente resolve-se de forma rápida e pacífica e regresso ao lounge, onde encontro agora Jorge Chino, um madrileno rechonchudo de trinta e três anos, de chapéu e colares de ouro, que se prepara para entrar numa competição satélite de acesso ao evento principal.