O critério baseado na localização exata e não na proximidade ao restaurante acontece sobretudo com uma das aplicações — a Uber Eats. “Nas outras [plataformas] funciona como os serviços de transporte de passageiros: quando pedimos uma viagem numa aplicação, aparecem os carros que estão mais perto. Aqui [na aplicação da Uber Eats] era como se os carros estivessem todos estacionados num sítio para poderem receber viagens”, explicou um estafeta, que preferiu manter o anonimato, ao Observador.
Esta definição de um ponto exato para distribuição dos pedidos reflete-se naquilo que se tem visto, e vê cada vez mais, pelas ruas da capital: zonas em que se concentram dezenas de estafetas. E isto acontece sobretudo perto de locais como centros comerciais, dark kitchens, ou cozinhas fantasma, que fazem refeições de vários restaurantes e ainda de restaurantes como o KFC e o McDonald’s.
E com a concentração de muitos estafetas no mesmo ponto, começaram a surgir “as máfias dos pontos de recolha”, como definiram vários estafetas ao Observador. Estas “máfias” são, no fundo, grupos que se formam em cada um dos pontos, cujo objetivo é impedir a chegada de novos trabalhadores, para que os pedidos sejam distribuídos sempre pelos mesmos. Quem não consegue entrar nesses grupos fica obrigado a manter-se perto dos pontos e entregue à sorte de nenhum estafeta do ponto querer um pedido. “Há máfias dos pontos de recolha onde há muitos pedidos”, acrescentou um dos estafetas.
Apesar de este cenário se multiplicar pela grande Lisboa, os grupos, explicou também quem trabalha todos os dias nas entregas de refeições, não estão relacionados uns com os outros. Não há uma “máfia” centralizada, mas sim uma “máfia” que nasce em cada um dos pontos de recolha, motivada pela necessidade de afastar a concorrência. E também não é uma “máfia” relacionada com uma nacionalidade: “Há grupos de portugueses, grupos de brasileiros, grupos de paquistaneses, depende do sítio.”
Certo é que, ainda que sem relação entre si, as regras que impõem acabam por ser muito semelhantes. “Cada ponto tem as suas regras e as suas leis. Se não cumprir, corre o risco de apanhar muito”, sublinhou um dos estafetas. Uma das regras apontadas é precisamente a de vedar a entrada a novos estafetas e acontece em vários pontos existir um número limite de estafetas. “No McDonald’s das Mercês e de Mem Martins, só podem estar 18 estafetas, não deixam entrar mais no ponto”, acrescentou o mesmo trabalhador. Caso alguém queira entregar refeições destes dois restaurantes e fique impedido de entrar no ponto, tem de ficar mais afastado.