Associações de imigrantes contestaram esta segunda-feira a política que classificam de “persecutória” em relação aos cidadãos sem documentos, comentando a megaoperação das autoridades em Lisboa, que identificaram um imigrante em situação irregular.
Na sexta-feira, numa operação policial de grande envergadura, coordenada pelo Sistema de Segurança Interna e denominada “Portugal sempre seguro”, na zona do Martim Moniz, Lisboa, a PSP fiscalizou uma centena de imigrantes e identificou apenas um estrangeiro em situação irregular em território nacional.
As associações Vida Justa e Solidariedade Imigrante criticaram, em declarações à Lusa, a realização da operação, mas alertaram para o risco do aumento de casos irregulares com o fim das manifestações de interesse, uma figura jurídica extinta em junho que permitia a um estrangeiro regularizar-se em Portugal, mesmo que chegasse com visto de turismo, desde que tivesse 12 meses de contribuições para a segurança social.
“Nós, imigrantes, sabemos que uma pessoa sem documentos é uma porta aberta para a injustiça” afirmou Priscila Valadão, da Vida Justa, que acusa as autoridades de visarem “quem é mais pobre” e não “os imigrantes ricos”.
“De que tipo de imigrantes é que eles não gostam? É dos que estão cá para trabalhar e que têm toda a economia estruturada sobre o seu trabalho. Mas gostam dos outros, os do visto ‘gold’ ou de outros nomes mais fofinhos”, disse, numa referência às Autorizações de Residência para Investimento (ARI).
Timóteo Macedo, da associação Solidariedade Imigrante, concorda e diz que é “óbvia” a perseguição aos mais pobres, que estão em situação mais frágil.
As autoridades “não fazem rusgas na Quinta da Marinha, mas vêm aos bairros mais precários e aos setores mais pobres da sociedade”, visando as “vítimas dessas políticas securitárias deste governo”, afirmou.
Em todo o país, as autoridades detiveram 38 pessoas na operação de sexta-feira que visava “o reforço da perceção de segurança no país”, segundo a PSP, com a maioria dos casos relacionada com o cumprimento de mandados de detenção (14), excesso de álcool, trágico de droga ou falta de habilitação legal para conduzir.
Na operação estiveram envolvidos, além da PSP, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e Segurança Social.
No mesmo dia, no parlamento, o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, a “operação no Martim Moniz é apenas uma de várias” que estão calendarizadas.
“Demos instruções às forças de segurança para continuarem a fazer este trabalho no terreno. Quando detetam situações de imigração ilegal, os abusadores e os traficantes devem ser penalizados criminalmente e quem está ilegal em território nacional deve ser sujeito a uma medida de afastamento”, referiu o governante.
Para a Vida Justa, “não existe ninguém ilegal”, porque “não é crime emigrar para procurar melhores condições de vida”.
Pelo contrário, “crime é crime de ódio”, acusou Priscila Valadão, considerando que a perseguição aos imigrantes é cíclica.
“Volta e meia, vemos uma forte e expressiva tendência política de criminalizar a pobreza”, porque “quando existe um problema económico tem de haver um culpado”, afirmou a ativista.
Contudo, acrescentou, as autoridades estão focadas naquilo que classifica de “ataque claro” aos imigrantes sul-asiáticos, já que o acordo na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa afrouxou as regras para estes cidadãos.
O Governo está a promover uma “briga” entre os imigrantes que trabalham em Portugal, com uma ação que “institucionaliza o discurso de movimentos extremistas e de partidos de extrema-direita” na própria política do governo.
A Vida Justa defende o regresso das manifestações de interesse “para ontem”, porque esta situação está a fragilizar a situação dos estrangeiros mais pobres.
“As pessoas ficam numa condição ainda mais subjugada, tendo que aceitar qualquer coisa” fora do sistema e “isso fará com que os salários baixem ainda mais”, avisou.
Timóteo Macedo diz que o fim das manifestações de interesse já se nota no terreno, com “organizações mafiosas em torno das embaixadas para condicionarem os vistos” e a exigir dinheiro para celebrar contratos que permitam vistos de trabalho.
“É indesejável que se continue a alimentar os negócios que pululam em torno das organizações do Estado para viver dos imigrantes”, acusou, criticando o discurso político que relaciona os estrangeiros com a perceção de insegurança.
“Somos contra esta caça ao imigrante indocumentado. Não são criminosos, são vítimas. E as vítimas devem ser protegidas”, afirmou o dirigente da Solidariedade Imigrante.