Está na moda ser contra a imigração e dizer que “eles” não são bem-vindos, “não pertencem” à Europa e a querem “conquistar”. São os tolinhos que conspiram um plano de “substituição”, os ignorantes que tentam associá-los a um falso aumento da criminalidade e os mal-amados que invadem casas para lhes bater.
Os mesmos que estão certos — certificaram-se quando notaram que tinham uma cor de pele diferente da sua — de que todos “eles” são “criminosos”. Os que não lhes conhecem o nome, o país ou as dores, mas sabem que “são muitos” e “vêm todos lá do mesmo sítio”. Os que os descrevem como “antipáticos” e “estranhos”, mas que nunca lhes sorriram.
São sempre iguais e cheiram invariavelmente mal da boca, com um hálito azedo que mistura ódio e bafio. Têm os dentes tão podres como o coração, as gengivas tão infetadas como o cérebro, a língua tão peluda como a cabeça. Ali, a luz é tão pouca que o cuspe é preto.
Mas querem-no branco, ao continente: as suas pessoas, as suas ideias, as suas vestes. Acham que a Europa é um lugar de estacionamento onde um dia parou uma cultura sólida e de lá mais não saiu, esquecendo-se que a cultura de um povo é sempre um rio em movimento que apanha tudo por onde passa.
A Europa é uma mulher e a roupa que usa a sua cultura. Hoje, veste-se de forma diferente da época medieval ou industrial: a mulher é sempre a mesma — muda a sua roupa. Vestiram-na primeiro os gregos, depois os romanos, depois os cristãos, depois os das luzes — pelo que se conclui que o coração da sua identidade, a sua única característica constante, é precisamente a de estar sempre a mudar o que é.
O restaurante indiano no fim da minha rua é tão europeu como o Solar dos Presuntos. O reggaeton que se ouve na noite é tão europeu como o prog-rock britânico. O Sun Tzu é um escritor tão europeu como o Camões. A cultura de um povo não é uma pedra, mas o que ele absorve, arrota e produz. E a Europa, por excelência, tornou-se no continente que absorve, arrota e produz coisas dos mais diversos sítios do planeta. A roupa que agora veste tem etiquetas americanas, cores vibrantes de áfrica e tecidos da Índia: a diversidade cultural entranhou-se de tal forma que o continente, igual a si próprio, voltou a tornar-se diferente de si mesmo.
E eu gosto disso: de descer a rua e poder conversar com pessoas que cresceram nas montanhas dos Himalaias, de provar sabores que os meus antepassados nem sonhavam e de ouvir o som de instrumentos musicais que não imaginava. Mais do que isso, gosto de saber que estas pessoas estão a melhorar as suas vidas. Na rua, aos filhos, vejo-os dar guloseimas com os olhos doces das nossas mães; abraços com os braços fortes dos nossos pais. Vejo-nos: não aos portugueses, não aos europeus, mas ao Homem.
Como no resto do Ocidente, cresce em Portugal um ódio aos imigrantes. Um preconceito alicerçado em migalhas, um vírus transmitido pelo ar, uma febre partilhada online. Caros reacionários: as vossas irmãs continuarão seguras, as igrejas manter-se-ão santas e o vinho prosseguirá alcoólico. Não vos preocupais pois também não nos irão ao bacalhau: com ou sem natas, à Gomes ou não de Sá, mais ou menos cozido, a instituição manter-se-á deitada. Peço-lhes só que experimentem, por uma vez, abrir a porta ao mundo: bacalhau tikka massala — juro que é bom (e podem repetir).