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Bispos desenham “reparação financeira que reconheça a dor” das vítimas. Igreja pediu pareceres a especialistas – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Abr 8, 2024

Os bispos católicos portugueses começaram esta segunda-feira em Fátima uma reunião plenária de quatro dias em que vão debater, entre outros assuntos, a implementação de um esquema de reparações financeiras às pessoas que sofreram abusos sexuais às mãos de membros do clero ou de leigos ao serviço da Igreja Católica. Porta-voz da Conferência Episcopal sublinha que Igreja “tem dado passos significativos” para apoiar as vítimas de abusos e que pediu contributos a médicos e juristas para definir modelo de reparações, mas evita “ligar diretamente esta forma de agir” — nomeadamente, a atribuição de compensações financeiras — “com o conceito de ‘indemnização’ ditada por um tribunal”.

A reunião plenária começou na tarde desta segunda-feira na casa de retiros de Nossa Senhora das Dores, no Santuário de Fátima, com o discurso de abertura do presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, o bispo de Leiria-Fátima, José Ornelas.

O responsável explicou que os bispos, reunidos em Fátima até quinta-feira, vão estudar em conjunto o mecanismo para uma “reparação financeira que reconheça a dor de quem sobreviveu a estes abusos e às consequências que teve de suportar, e que coopere para que essas pessoas possam ter uma vida mais livre, digna e devidamente reconhecida”.

“Sobre esta questão, foram pedidos vários pareceres a entidades competentes do ponto de vista clínico, jurídico e canónico, e ouvidas muitas pessoas, entre as quais vítimas”, disse Ornelas. “Agradecemos igualmente a outras pessoas que espontaneamente deram o contributo da própria análise, que será tida em conta na busca de um caminho de superação destas situações, a todos os títulos demasiado dolorosas.”

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“Estudaremos em conjunto este assunto, na certeza de que quem foi vítima de qualquer tipo de abuso tem sempre a nossa proximidade e solidariedade, assumindo mais esta forma de pedir desculpa e ajudar a recuperar a dignidade de vida”, disse ainda.

A crise dos abusos sexuais de menores no contexto da Igreja Católica, com origens no início da década de 1980 no sul dos Estados Unidos, abateu-se especialmente sobre Portugal nos últimos anos.

Em 2021, a Conferência Episcopal Portuguesa determinou a criação de uma comissão independente para estudar o fenómeno em Portugal. A comissão, liderada pelo psiquiatra Pedro Strecht, calculou que desde 1950 terá havido pelo menos 4.815 casos de abuso sexual de menores no contexto da Igreja Católica em Portugal.

Na sequência do fim do trabalho da comissão, os bispos portugueses criaram um novo grupo — o Grupo VITA, liderado pela psicóloga Rute Agulhas — para desenvolver um trabalho de acompanhamento das vítimas, de receção de denúncias, de formação dos agentes pastorais e de implementação de métodos de prevenção na Igreja.

Ao longo do último ano, a possibilidade de a Igreja Católica atribuir compensações monetárias às vítimas de abuso tem sido um dos temas a gerar mais controvérsia, com os bispos a preferirem falar de compensações, em vez de indemnizações.

O Grupo VITA elaborou, ao longo dos últimos meses, uma proposta de funcionamento para um esquema de compensações monetárias às vítimas, que está agora em cima da mesa dos bispos portugueses.

Segundo escreveu recentemente o Jornal de Notícias, os bispos portugueses partiram para Fátima já bastante divididos quanto ao modelo a adotar. Uma primeira proposta do Grupo VITA foi entregue à Conferência Episcopal em fevereiro e os bispos devolveram-na com algumas alterações. O grupo de Rute Agulhas enviou agora uma nova versão, que os bispos deverão discutir.

“Concordámos com algumas [alterações] e não com outras”, disse Rute Agulhas ao Jornal de Notícias. “É a primeira vez, em Portugal, que se está a pensar sobre isto neste contexto, é natural que não seja um processo imediato.”

A psicóloga disse ainda que “não é justo ser um modelo igual para todos”, uma vez que “a gravidade dos casos depende de muitas variáveis”, que têm de ser tidas em conta “numa análise caso a caso”.

Algumas dúvidas — como, por exemplo, se a Igreja vai assumir o pagamento das compensações ou imputá-lo aos padres abusadores — ainda subsistem. O modelo final deverá ser revelado na quinta-feira, no final da assembleia plenária dos bispos.

Ainda assim, o bispo José Ornelas sublinhou no discurso de abertura que, desde o início do trabalho do Grupo VITA, foi levantada “a questão de uma ‘reparação’ ou ‘compensação monetária’, que possa ser requerida pelas pessoas que foram vítimas de tais abusos, como forma de justo contributo na superação do mal que lhes foi injustamente causado”.

“Tem-se evitado ligar diretamente esta forma de agir com o conceito de ‘indemnização’ ditada por um tribunal”, sustentou.

Ornelas destacou ainda que a Igreja em Portugal criou estruturas próprias para combater os abusos de menores. A rede de organismos — que inclui comissões diocesanas e estruturas nacionais — “tem dado passos significativos no sentido de encontrar a forma mais correta para continuar a escutar qualquer pessoa que precise de falar sobre um abuso que sofreu, bem como na organização do necessário apoio psicológico e psiquiátrico adequado”.

“Além da capacitação específica dos profissionais que proporcionam o apoio clínico, centenas de pessoas estão a ser capacitadas para saber prevenir, sinalizar, alertar e denunciar eventuais novos casos de abuso em todo o país. Este trabalho irá prosseguir de forma regular e generalizada, como forma concreta de acompanhar o pedido reiterado de perdão que comporta o reconhecimento do mal perpetrado e sofrido, a possível reparação das feridas e a prevenção, para que estes dramáticos sofrimentos não se repitam”, destacou.

O líder da Conferência Episcopal aproveitou também o discurso de abertura para fazer uma referência aos 50 anos do 25 de Abril, que se comemoram este mês. A comemoração, disse José Ornelas, “constitui uma gratificante ocasião de renovação e de afirmação dos valores que devem marcar o presente e o futuro”.

“A imagem emblemática dos cravos no cano das armas ilustra a festa da liberdade, da vida e da esperança que marcou e continua viva no património identitário do nosso povo. Foi possível instaurar, progressivamente, a justiça social, fomentar o desenvolvimento em tantos lugares e devolver dignidade à vida de tantas mulheres e tantos homens”, sustentou.

“É claro que a realização dos sonhos de Abril deve ser justamente celebrada pelas muitas conquistas alcançadas, mas há igualmente que reconhecer que muito há ainda por fazer, a fim de que os fundamentos da democracia não sejam postos em causa, seja pela desilusão e apatia de quem vê a deficiente solução de problemas ligados a dimensões básicas como a educação, a saúde e a habitação, seja pela manipulação irresponsável do justo descontentamento e do protesto”, disse ainda.

Ornelas considerou que “é bom constatar o bom funcionamento da democracia no nosso país, que permite buscar soluções de futuro através da consulta aos cidadãos sobre a diversidade de propostas políticas dos diversos partidos”.

“Por outro lado, os cidadãos têm o direito e esperar que aqueles que são eleitos, sem pôr em causa as legítimas diferenças de análises e de propostas, saibam encontrar soluções concretas justas e viáveis, para acudir à gravidade dos problemas, colocando o bem dos cidadãos e do país acima de interesses partidários ou corporativos a fim de encontrar consensos ao serviço do bem comum e de um futuro melhor para todos”, disse.

Lembrando que o 25 de Abril retirou Portugal do “orgulhosamente sós”, José Ornelas destacou a abertura de Portugal “à comunidade internacional”, feita “sem pretensões de império ou de domínio, mas inserindo-nos ativamente num relacionamento com os outros povos e culturas marcado por valores universais”.

O bispo destacou também que Abril tornou Portugal num “país de acolhimento, com uma crescente percentagem de pessoas oriundas de todo o mundo, que vêm com os mesmos objetivos com que os nossos compatriotas partiram”.

“É importante velar para que sejamos capazes de criar condições justas, dignas e capazes de assegurar a fraternidade, a paz e o sucesso desse futuro. Sabemos que o nosso país precisa destas pessoas e que pode igualmente proporcionar-lhes um bom futuro, na capacidade de integração que tem o nosso povo. Esse deve ser um desafio bem em linha com os ideais universais de Abril, que pode e deve ser um nobre objetivo do Estado e de todas as instituições e cidadãos”, disse.

No discurso de abertura, José Ornelas mencionou também os “dramas da guerra”, que se vivem na altura em que os cristãos celebram a Páscoa.

“Não podemos, infelizmente, fechar os olhos aos dramas da guerra, com as suas sequelas de horror, barbárie e destruição que ensombram o panorama mundial, causando sofrimentos inauditos a milhões de pessoas e pondo despudoradamente a nu a crueldade visada de matar, abusar e fazer reféns pessoas inocentes ou, em resposta, devastar sistematicamente as possibilidades elementares de vida de populações inteiras, reduzindo-as à mais indescritível miséria”, sustentou.

“A destruição programada das habitações, escolas e hospitais, o impedimento da ajuda internacional e, pior ainda, a eliminação daqueles que procuram acudir a tamanha selvajaria são atos de barbárie inaceitável, mesmo em tempos de guerra. É o que se passa em Gaza, nas cidades da Ucrânia e igualmente em muitas outras guerras, que já nem são notícia, como no Iémen, na Síria, no Sudão, no Congo e em tantos outros países”, acrescentou.

“Como tem repetido o Papa Francisco, a guerra nunca é solução e leva apenas à destruição, ao sofrimento e à morte, semeando ódios que permanecerão por muitas gerações. É por isso que se torna necessário aderir à manhã nova da ressurreição, com pressupostos novos para construir um mundo mais humano. E não nos podemos dispensar desta tarefa primordial de construção da paz”, disse ainda.



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