Um “mau resultado”, ponto. Apesar de ter reagido à eleição de Catarina Martins para o Parlamento Europeu, há duas semanas, com alguma euforia — mesmo tendo perdido o segundo eurodeputado –, os ânimos esfriaram e o Bloco de Esquerda garante agora que “reconhece” as suas perdas e que as quer tentar reverter. Para isso, Mariana Mortágua anunciou a realização de uma conferência nacional do partido, numa tentativa de fazer um debate alargado sobre o papel dos bloquistas e do resto da esquerda neste ciclo político. O debate só acontecerá mais perto do fim do ano, numa altura em que o Bloco espera que o PS já se tenha definido sobre o próximo Orçamento do Estado — e já com os olhos postos em coligações nas autárquicas, com Lisboa à cabeça.
No final de uma reunião da Mesa Nacional do Bloco de Esquerda, a coordenadora nacional, Mariana Mortágua, resumiu as perdas do Bloco sob todos os parâmetros — “votos, percentagem, um mandato no Parlamento Europeu” — e lembrou que isto acontece na sequência de uma derrota também em março, nas legislativas, resultado que “o Bloco não foi capaz de reverter nas europeias”. Tudo enquadrado “no mesmo ciclo político que se abriu” em março — ou seja, no contexto de um país virado à direita, depois da maioria absoluta do PS, e de uma viragem à direita também a nível internacional.
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Feito o diagnóstico — que não é exatamente igual ao que os críticos internos, que pedem uma convenção nacional, fazem — faltam as soluções. “Estamos a trabalhar para reverter este ciclo e para afirmar o Bloco como uma solução no campo da esquerda”, garantiu Mortágua, anunciando que o Bloco decidiu “abrir um debate alargado, dentro e fora do partido, sobre a afirmação do BE como uma esquerda moderna, unitária, que contribua para combater os retrocessos ultraconservadores e impostos pelo liberalismo”.
O primeiro passo, explicou, será a realização da conferência nacional (um órgão de debate, onde não se discute nem vota sobre os órgãos do Bloco) no último trimestre de 2024, sendo a discussão aberta a todos os militantes. A ideia é fazer um debate “muito alargado” sobre o papel do BE neste ciclo, tanto a nível nacional como internacional, e pondo os olhos nas alternativas à esquerda construídas “por toda a Europa” (deu o exemplo de França).
Segundo as informações apuradas pelo Observador, a ideia será fazer este debate numa altura em que já possa haver uma maior clareza no posicionamento do PS e do Chega sobre o próximo Orçamento do Estado, além de haver uma maior proximidade com o ciclo autárquico.
Isto porque a ideia é avançar com uma ideia que já circula nos bastidores da esquerda há muito: discutir a “política de alianças nas autárquicas”, tentando chegar a “convergências”, incluindo alianças mais alargadas para “derrotar executivos de direita em sítios chave do país, como Lisboa”. Mortágua fez a ressalva — isso depende das políticas, desde logo em temas como a Habitação, e dos protagonistas. Como o Observador escrevia em setembro passado, na concelhia lisboeta liderada por Marta Temido havia, na altura, disponibilidade e vontade para isso — resta saber se o PS, e o rosto que escolher para essa corrida, manterá essa opinião. Entretanto, também o Livre veio marcar presença neste debate, convidando os outros partidos da esquerda para uma série de reuniões a propósito das autárquicas.
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A ideia, foi frisando Mortágua, é conseguir que a esquerda como um todo se afirme como uma alternativa, numa política “de convergência, e unitária” para responder à tal guinada à direita no país. Os diálogos com os partidos vizinhos, que Mortágua começou por suscitar com uma série de reuniões marcadas logo em março, fazem parte do “movimento” que o BE quer ir “aprofundando ao longo do tempo”.
Dentro do Bloco, a corrente mais crítica da direção (a moção E) não só não concorda com a avaliação genérica do mau ciclo do Bloco como ataca precisamente o “geringoncismo” a que acusa a atual direção de se ter agarrado, tornando-se “dependente” de alianças, nomedamente com o PS. Para estes críticos, a ideia de uma conferência nacional não é suficiente — é preciso uma convenção nacional (equivalente a um congresso noutros partidos) que até possa, eventualmente, mudar a direção do partido.
Em declarações à rádio Observador na manhã deste domingo, o ex-deputado Carlos Matias, um dos principais rostos da moção E, defendeu que o Bloco precisa de fazer “mudanças na linha política” se quiser reverter um ciclo de derrotas que “não é curto, ao contrário do que a maioria diz”, e já vem de 2019.
“Fundamentalmente não se deve à cabeça de lista, nem apenas à conjuntura ou à situação europeia, mas a um problema de linha política que vem de trás. A geringonça foi uma boa solução conjuntural, mas o geringoncismo primeiro estranhou-se e depois entranhou-se”, criticou, falando num Bloco que faz agora um discurso “cuidadoso, redondo, sem grandes ruturas”, que parece apagado e “muito dependente do pedido de uma aliança com o PS”. Além disso, Matias aponta para os partidos da esquerda europeia que viram melhorias nos seus resultados — “só BE, PCP e o AKEL/ΑΚΕΛ, partido do Chipre, perderam deputados” — para desmentir o balanço, pessimista para a esquerda como um todo, feito pela direção: “Alguma coisa aqui não bate certo”.
Os críticos acreditam, por isso, que para a reflexão profunda que defendem e para que a “matriz identitária original” do partido seja recuperada o palco certo é uma convenção, órgão máximo do Bloco. É nesse órgão que a direção é votada, e Matias admite que “eventualmente” seja alterada: “Há rostos que há muito tempo estão à frente do Bloco, é preciso uma renovação também dos rostos”.
Na conferência de imprensa, Mortágua lançou uma farpa contra os críticos num ponto sensível, lembrando que a linha maioritária do Bloco “não partilha” a sua opinião sobre o “apoio à resistência ucraniana” (os críticos dizem que quanto à guerra o Bloco optou pelo “conforto da adaptação ao sistema”). E rejeitou a ideia de antecipar a convenção, que no calendário normal acontecerá em 2025: “Vai haver convenção no próximo ano, de forma regular e ordinária”, e antes disso o partido fará a sua “reflexão e debate interno e externo” sobre “como retirar e combater executivos de direita”, mas na conferência nacional.
Na resolução proposta pelos críticos, a que o Observador teve acesso, o cenário pintado sobre estas eleições e o momento vivido pelo Bloco é bastante diferente. Desde logo, a moção E considera que existe uma “preocupante linha de continuidade” que “exige ser explicada”, dado que este não é um resultado negativo pontual — a polarização “não foi diferente” de outras eleições, a extrema-direita “recuou” e houve partidos da esquerda europeia que “conseguiram crescer”, alerta.
Daí, o documento passa para a conclusão: o Bloco “tornou-se significativamente indistinto ou apendicular do PS”, deixou de ser radical, adaptou-se ao “conforto do sistema” e no que toca à guerra na Ucrânia já se “cola às posições armamentistas do Governo e da NATO”, enquanto há uma “ausência de crítica ao regime de Zelensky” (uma divergência que já vem de trás, como o Observador escrevia aqui).
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Os críticos acusam ainda a direção de ser “ambígua e ter falta de iniciativa” em relação à Palestina, de não criticar a “construção neoliberal da UE”, de se ligar a movimentos sociais e ambientais de forma “utilitarista” e de desvalorizar a importância da intervenção local. Por tudo isto, resumem, é preciso que o Bloco faça um balanço aprofundado “sob pena de perda de identidade e declínio irreversível”.
“O problema não está na matriz anticapitalista fundadora do Bloco, mas no afastamento dessa matriz que se tem vindo a operar nos últimos anos. É urgente uma nova, radical, ampla, polarizadora e inovadora resposta política”, rematam os críticos. Não terão a convenção que desejavam, mas ainda assim o Bloco sentiu mesmo a necessidade de se reunir e debater o futuro, num ciclo de perdas que não está a conseguir alterar.