1 Celebrámos no passado sábado, 7 de Dezembro, os cem anos do nascimento de Mário Soares. Um pouco antes, a 30 de Novembro, celebrámos os 150 anos do nascimento de Winston Churchill.
Tive o privilégio e o prazer de participar nas celebrações sobre Churchill, em Londres. E tive o privilégio e o prazer de estar inscrito nas celebrações sobre Soares, na Fundação Calouste Gulbenkian, no passado dia 7; muito irritantemente, súbitos motivos de saúde impediram-me à última hora de estar presente. Mas consegui acompanhar em quase ‘directo’ pela televisão e comovi-me até às lágrimas recordando esse grande herói da nossa democracia chamado Mário Soares.
2 Gostaria de deixar claro e vincado que partilho uma mútua profunda admiração por Winston Churchill, um político do centro-direita, e por Mário Soares, um político do centro-esquerda — e que a ambos admiro como, literalmente, heróis da democracia liberal.
E enfatizo esta comum admiração em intencional contraste com a polarização tribal que hoje tende a crescer numa primitiva atmosfera política que não distingue a concorrência civilizada entre a direita e a esquerda civilizadas, por um lado, e a concorrência (ou, em rigor convergência) populista entre a direita e a esquerda bárbaras, por outro.
3 Lamento muito já não ter ido a tempo de conhecer pessoalmente Winston (como a ele sempre se referia Margaret Thatcher). Mas estou muito grato pelo privilégio de chegar a conhecer a sua filha mais nova, Mary Soames, o seu neto Winston e o bisneto Randolph, além dos seus três principais biógrafos (Sir Martin Gilbert, Lord Jenkins, Lord Roberts) — vários dos quais tive o prazer de trazer a Portugal.
Tive ainda o privilégio e o prazer de fundar a Churchill Society of Portugal e de ser membro do Academic Board da International Churchill Society.
4 No caso de Mário Soares, tive o imenso (e por mim totalmente imprevisto) privilégio de integrar a sua Assessoria Política no primeiro mandato de Presidente da República (1986-1991). É certo que apoiei com muita ênfase a sua candidatura presidencial desde os tempos em que tinha 8% nas sondagens, mas não integrei nenhuma estrutura formal da sua campanha (limitando-me a enviar uns textos, creio que manuscritos, nas vésperas dos seus debates televisivos com os candidatos concorrentes).
Após a vitória presidencial de Mário Soares — que ele festejou, no Saldanha (e onde eu fiz questão de estar, entre a multidão), como a de um Presidente de todos os Portugueses, não um Presidente da esquerda contra a direita — recebi um surpreendente telefonema do meu querido amigo Guilherme d’Oliveira Martins (GOM, também antigo aluno do Liceu Normal de Pedro Nunes), dizendo-me que o Presidente Mário Soares me convidava para a sua Assessoria Política (liderada por GOM).
5 Foram anos de inesquecível profunda felicidade e estímulo intelectual. Almoçávamos todas as quintas-feiras com o Presidente Soares em ‘petit comité’ de cerca de oito a dez comensais. Soares gostava de começar por enumerar vários tópicos, amavelmente pedindo a nossa opinião. Só no fim da volta à mesa (muitas vezes já na sala de estar adjacente à sala onde tínhamos almoçado) é que Soares daria a sua opinião e a conversação continuava.
Eu, em regra, procurava ficar para o fim da volta à mesa, sendo um dos mais jovens do grupo (teria 30 anos nessa altura) e tendo sido educado em casa de meus pais e minhas avós a respeitar os mais velhos e mais sabedores (mas não a segui-los acriticamente, podendo discordar, desde que educadamente).
Julgo recordar duas excepções à minha regra de ficar para o fim da volta a mesa.
Uma primeira foi quando uma aliança de esquerda (PS+PRD+PCP) derrubou no Parlamento o Governo do PSD de Cavaco Silva e queria que Soares lhes desse um Governo “de esquerda” que não tinha concorrido às eleições com esse programa. Tenho a vaga recordação de ter pedido a palavra em primeiro lugar e de dizer algo do género: “O Presidente Soares não preside a uma república jacobina — e por isso disse no Saldanha que era Presidente de todos os Portugueses. Não deve agora dar o governo a uma coligação de esquerda que não foi eleita com esse programa”. Creio recordar-me que Soares sorriu e nos disse que estava de facto a pensar convocar eleições parlamentares — da qual viria a sair a primeira das duas maiorias absolutas de Cavaco Silva.
Se não me falha a a memória, uma segunda ocasião em que me atrevi a falar no início da volta à mesa terá sido a propósito do convite a Mário Soares e Maria Barroso para estarem presentes no Mosteiro dos Jerónimos no casamento real de D. Duarte de Bragança e Isabel de Herédia. Voltei a repetir o meu argumento: “Não somos uma república jacobina! Creio que o Presidente e a Primeira Dama devem estar na cerimónia e na primeira fila”. Julgo recordar-me que Mário Soares terá dado uma das suas sonoras gargalhadas e dito algo do género “era precisamente isso que eu já tencionava fazer”.
6 Gostaria agora de concluir com breves palavras do conservador-liberal Winston Churchill que estou certo seriam apoiadas pelo socialista-liberal Mário Soares. Disse Churchill em Paris, num discurso contra as tiranias comunista e nazi, em 1936:
“Entre as doutrinas do Camarada Trotsky e as do Dr. Goebbels, deve haver espaço para cada um de nós, e mais umas quantas pessoas, cultivarmos as nossas próprias opiniões . […] Como poderemos nós tolerar ser amordaçados e silenciados; ter espiões, bisbilhoteiros e delatores a cada esquina; deixar que até as nossas conversas privadas sejam escutadas e usadas contra nós pela polícia secreta e todos os seus agentes e sequazes; ser detidos e levados para a prisão sem julgamento; […] Pois eu afirmo que devemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para não termos de nos submeter a tal opressão”.