Acabou por sair do país. Não por ter sido expulso, garante, mas por causa da relação tensa com a família. “Foi sobretudo o conflito familiar de ordem religiosa, influenciado pelo meu irmão, que era sacerdote, que era capelão”, lembra Krohn. Os irmãos ficaram todos do lado dos pais. “A terra de onde vínhamos, no sul de Espanha, era uma terra com uma divisão muito forte entre católicos e a esquerda. A minha família virou-me as costas, claramente.”
Seguiu-se um tempo de deambulação pela Europa. “Depois de Espanha, estive umas semanas na Holanda, em casa de um pastor protestante holandês que me levou à Suíça, perto de Écône, onde tinha gente que me conhecia”, lembra. “Estive uns dias em Écône e foi ali que conheci a minha futura mulher.”
Foi a mulher, belga, quem lhe propôs que se mudassem para a Bélgica, onde vive desde o final da década de 1980. Krohn viria a ter um filho (que tem hoje 30 anos, mas de quem Krohn não quer falar, para o proteger) e, depois disso, acabaria por divorciar-se.
Na Bélgica, viveu em diversas cidades, incluindo Antuérpia e Oostende, antes de finalmente se fixar em Bruxelas. “A minha vida aqui tem sido difícil. A minha inserção social e profissional, como eu pretendia, foi muito difícil.”
Graças à licenciatura em Direito, Krohn chegou a trabalhar como advogado durante algum tempo. “Tive um incidente relacionado com o meu passado de Fátima, pelo qual fui expulso da Ordem dos Advogados, com um grande escândalo mediático”, explica, sem dar mais detalhes. De acordo com o jornal El País, a expulsão terá tido origem na abertura de um processo disciplinar contra Krohn depois de este ter feito “comentários antissemitas” numa entrevista a um jornal.
Depois disso, teve uma série de trabalhos precários: foi auxiliar numa companhia aérea que foi à falência, fez uns trabalhos esporádicos de tradução, foi operário agrícola e trabalhou como mecânico de bicicletas. Chegou à maioria destes trabalhos através de processos de reinserção social, mas queixa-se de apenas lhe terem sido propostos “contratos especiais, discriminatórios”. Não deixa cair a tese de que continua a ser perseguido por causa do seu passado: diz que, por não se ter filiado em nenhum sindicato, nunca conseguiu os benefícios laborais dos outros emigrantes, o que o levou a uma relativa pobreza.
Ainda assim, quis continuar a estudar. Fez um mestrado na Universidade Livre de Bruxelas e ainda tentou o doutoramento, com uma teses sobre o autor espanhol Francisco Umbral. “Fiz uma tese, efetivamente sobre ele, sobre as suas novelas sobre a Guerra Civil espanhola. Não me aceitaram na Bélgica, sem grande motivo. O motivo oficial foi o de que não respondia aos critérios da universidade. Mas a verdade é que o motivo de fundo era a lei da memória histórica”, justifica. “Um dos professores que me avaliaram deixou escapar o comentário: ‘Você não se distancia o suficiente da personagem, de certas personagens do regime de Franco, que aparecem no livro’.”
Depois, no ano 2000, voltou a protagonizar um momento polémico. Numa visita de Juan Carlos I a Bruxelas, Krohn repetiu o gesto de 1982: saltou as vedações e correu na direção do monarca espanhol, aos berros: “Tu mataste o teu irmão, eu não matei o Papa!” O incidente coincidiu com a terceira visita do Papa João Paulo II a Portugal, para a revelação da terceira parte do Segredo de Fátima. “Criaram-me uma imagem de indivíduo fora de controlo, incontrolável”, diz Krohn, que acabou por passar mais um mês na cadeia, desta vez na Bélgica, uma vez mais “num regime muito duro”.
Hoje, a viver numa casa de acolhimento da câmara municipal de Bruxelas, continua a alimentar com frequência um blogue e um canal do YouTube, onde difunde as suas teorias e se multiplica, por exemplo, em críticas ao Papa Francisco. E até sobre o facto de ter ficado sem casa, tem uma explicação alternativa (e bem mais rebuscada) à da universal crise da habitação: “Pergunto-me se isto tem apenas a ver com a crise imobiliária, de que falei, ou se tem também a ver com as minhas tomadas de posição, no meu blogue de internet, sobre a guerra na Ucrânia, onde tomei posição clara, sem equívocos, a favor da Rússia e de Vladimir Putin. Num país como a Bélgica, onde a classe política está declaradamente a favor da Ucrânia, contra a Rússia, é legítimo perguntar se a situação em que me encontro não tem algo a ver com o problema…”
Mais de 40 anos depois do momento que lhe definiu o destino, há uma pergunta incontornável: queria mesmo matar o Papa naquele dia 12 de maio de 1982?
“Aí estamos a tocar no tema delicado da intenção”, responde Krohn. “Eu sempre, efetivamente, disse que queria matar. Mas, hoje, penso que não. Que aquilo foi uma puerilidade minha. Não queria matá-lo, queria acabar com aquele star power. Com aquele poder daquele Papa novo e único na história da Igreja, a que todos prestavam reverência e incenso. Todos, à direita e à esquerda.”
Desde os tempos do seminário de Écône, Juan Fernández Krohn tinha desenvolvido uma profunda aversão a João Paulo II e a tudo aquilo que aquele Papa moderno representava: a abertura da Igreja ao mundo contemporâneo, onde Krohn via os perigos do comunismo. Para o espanhol, a adoração praticamente unânime a João Paulo II era especialmente chocante.