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“Cowboy Carter” e o duelo de Beyoncé – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Abr 1, 2024

Um dos grandes dramas que o Ser Humano Que Tem Opiniões Próprias enfrenta por estes dias é a escolha do tema com que irá discordar veementemente, ou que irá defender acerrimamente, a cada dia. Se for uma discussão woke, é relativamente simples: basta repetir os argumentos de um dos lados da barricada, mas em termos próprios; se for política, aplica-se o modus operandi anterior. Mas certas plataformas (como o Twitter) colocam-nos diariamente centenas de questões morais sobre as quais os restantes seres humanos têm opiniões firmes e que, para alguém cuja retina não opere num sistema binário reduzido a preto e branco, são autênticas armadilhas.

O user do Twitter Nathan Hubbard (handle: @NathanCHubbard) criou – eventualmente sem querer – um desses momentos em que a humanidade se divide e todos gritam, quando resolveu afirmar, acerca de Cowboy Carter, o recém lançado álbum de Beyoncé, que “you’d struggle to find an artist who has ever been this creative at 42”. Não contente com este pedaço de dinamite, Hubbard acrescentou “Gotta think more this weekend”, e isto (eheheheh), é mesmo uma citação, ele ainda tem de pensar mais no assunto, mas: “Paul Simon is probably the only one?”.

Ai, Hubbard, meu pobre Hubbard, o que tu fizeste ao teu fim-de-semana não foi arranjar tempo para pensar – foi imortalizar o dito fim de semana como o fim de semana em que te tornaste saco de pancada da internet inteira. Houve quem acusasse Hubbard de idadismo; outros defenderam que era apenas um ignorante; os fãs de Beyoncé, por sua vez, defenderam-no ferreamente, enquanto ele enumerava os feitos da rainha (ganhou não sei que Grammy, encheu aquele estádio, vendeu não sei quantos discos, sendo que é sempre engraçado quando se tenta reduzir feitos artísticos a estatísticas).

[ouça “Cowboy Carter” na íntegra através do Spotify:]

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Presumo que não valha a pena perder tempo a recapitular o que outros disseram: que Bob Dylan ou Leonard Cohen ou Johnny Cash ou Loretta Lyyn lançaram grandes discos muito para lá dessa idade (já para não falar de uma Elza Soares ou um Caetano ou mesmo um Zeca) e a vida inteira houve artistas que recuperaram a forma já depois dos 60, bem como aqueles que só encontraram a sua voz – ou o reconhecimento – tardiamente (toda a gente fala de Picasso, ninguém fala de Cézanne).

O argumento de Hubbard é ignorante e idadista, mas replica apenas a hagiografia mental de quem comenta arte ad infinitum nas redes: em vez de reflexão e tempo dedicado a conhecer o passado, a “opinião” reduz-se a glorificar/destruir um artista ou uma obra, tentando aplacar qualquer assomo de nuance ou erudição que possa assomar à conversa, porque argumentos complexos estragam a arrumação mental de quem, mais que apreciar uma arte, a toma como arma para exsudar as suas tendências fundamentalistas — de quem usa a arte para afirmar a sua identidade.

Houve outros eventos gloriosos de argumentação brutalista ao longo do fim de semana: o que quererá Beyoncé dizer ao mundo ao decidir fazer um disco de country?; porque é que Beyoncé fez uma versão de Jolene e mudou a letra, transformando o que é uma canção desesperada (uma mulher a pedir a outra, que seduz o seu marido, para não lhe destruir a família) numa demonstração de força (Beyoncé diz que dá um tareião a quem se meter com o seu marido, Jay-Z, o que hoje em dia deve, em números arredondados às casas decimais, significar zero pessoas).





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