Uma cidade em mínimos olímpicos. Nestas últimas semanas, Maputo fez lembrar a pandemia: a indústria parada, o comércio fechado, uma sensação de fundo de estado de emergência. Não houve sequer à-vontade para se estar na rua. E, no meio de medos e boatos, surgia a hipótese, devagarinho e baixo, de que o governo decretasse mesmo o estado de emergência, impondo o recolher obrigatório, fazendo prolongar a vigência de funções do actual Presidente da República. Até agora, não se verificou, o que não implica que embaixadas e outras organizações tenham deixado de desaconselhar ajuntamentos.
Aterrei em Maputo um dia depois de dois assassinatos que, no rescaldo pós-eleitoral, espoletaram tudo o que viria. Elvino Dias, advogado e defensor de Venâncio Mondlane, candidato presidencial alegadamente derrotado, e Paulo Guambe, estrategista de comunicação do PODEMOS, foram baleados a 19 de Outubro. Já sob acusações de fraude eleitoral – cuja veracidade é praticamente consensual –, Moçambique estourou, com anúncios de greves e manifestações. Filipe Nyusi, Presidente em funções, perante um país em chamas – e literalmente em chamas – escudou-se no silêncio. Em pasmo, enquanto o país inteiro vivia sob estado de alerta, e havia até quem temesse o gatilho de uma guerra civil, o Presidente da República fingia que não era nada com ele. Em Moçambique, havia um só tema: os protestos, o rumo que levariam. Nisto, Nyusi saía das sombras para expressar a sua “mais elevada consideração e estima pessoal” por Trump, contados os votos norte-americanos.
No poder há já 50 anos, apanhando todo o período pós-independência de Moçambique, a Frelimo encontra hoje um povo zangado à frente. E um povo zangado, ainda para mais da quinta economia mais frágil do mundo, fica facilmente nas mãos de quem prometer uma guinada. Venâncio Mondlane foi essa promessa, e esta figura, vinda da África austral, em nada difere das figuras que galvanizaram e granjearam os apoios populares no ocidente – seja Europa ou Estados Unidos –, abusando de estratégias e retóricas populistas. Enfim, convocada a greve, Maputo esvaziou-se. Durante dias, ninguém sabia bem o que seria o dia seguinte, e avenidas de quilómetros estendiam-se sem ninguém – ou quase ninguém. Quem lá vivia, na própria rua, continuou a estar, e quilómetros a direito não tinham vivalma além de quem procurava sobreviver junto aos contentores do lixo. Por todo o lado, a incerteza: como não se sabia o que aconteceria no dia seguinte, havia quem corresse aos bancos para levantar dinheiro vivo (volta e meia, rompendo as reservas) e quem se apressasse aos supermercados para se munir de mantimentos.