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Da JMJ às companhias aéreas estrangeiras, das grandes empresas à Madeira. Quem tem mais benefícios no IRC – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Out 30, 2024

Instituições de solidariedade social, companhias aéreas, grandes empresas industriais e de infraestruturas, zona franca da Madeira e a promotora das Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ). Estão neste universo as entidades que receberam maiores benefícios e isenções fiscais ao nível do IRC no ano passado.

Os benefícios fiscais atribuídos em 2023 totalizaram 1,8 mil milhões de euros, pouco mais de 20% da receita total arrecadada com este imposto que foi de 8.685 milhões de euros. E reflete um crescimento de praticamente 10% face ao montante das redução fiscais dadas em 2022 no imposto sobre as empresas.

As contas ao total dos benefícios fiscais


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Os dados da despesa fiscal com IRC oscila em função das fontes. O relatório da despesa fiscal divulgado em julho refere uma estimativa de 1.755 milhões de euros e o relatório da proposta orçamental aponta para 1.690,7 milhões de euros, porque exclui as derramas municipais. A lista dos benefícios e isenções fiscais divulgada mais recentemente pela AT aponta para um total de 1,8 mil milhões de euros que inclui deduções à coleta e aos rendimentos, isenções temporárias ou definitivas e reduções de taxa.

Os 1,8 mil milhões de euros estão longe de esgotar todos os benefícios e isenções concedidos às empresas, na medida em que as empresas ou instituições coletivas são também as principais protagonistas dos benefícios fiscais concedidos em outros impostos, nomeadamente o imposto de selo que no ano passado atingiu os 288 milhões de euros, dos quais uma boa parte foi para a isenção em suprimentos (empréstimos dos acionistas às empresas). Também há descontos nos impostos sobre o consumo — sobretudo combustíveis.

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A lista, cuja divulgação é obrigatória por lei, tem mais de 60 mil beneficiários — 63.722 — número que representa mais de 10% de todas as declarações de imposto entregues em 2022 (ainda não existem estatísticas de 2023 para o IRC). Não obstante o número elevado de beneficiários, há uma relativa concentração dos montantes atribuídos.

De acordo com o levantamento feito pelo Observador, os 20 maiores beneficiários absorviam mais de 10% dos benefícios totais — cerca de 205 milhões de euros. Mais de metade deste valor ficou nos 10 maiores beneficiários. Há 237 entidades com benefícios ou isenções em sede de IRC superiores a um milhão de euros e este universo representa mais de um terço do total atribuído no ano passado. Quase 500 milhões de euros destes benefícios fiscais (482 milhões) estão concentrados em 100 entidades, o que corresponde a uma fatia de 27% do total dos descontos no imposto.

Sigla para imposto sobre os rendimentos de pessoas coletivas, a cobrança de IRC não resulta apenas da aplicação da taxa sobre os lucros das empresas. Entram também no bolo as derramas estadual e municipal e as famosas tributações autónomas que resultam da aplicação de taxas que podem ir até 32,5% das despesas suportadas anualmente pelas empresas nomeadamente com as viaturas.

A descida em um ponto percentual do IRC, bem como a redução de tributações autónomas estão previstas na proposta de Orçamento do Estado para 2025 e a primeira tem sido a principal resistência do PS em relação ao documento proposto pelo Governo. Apesar de ter anunciado a abstenção, os socialistas não fecham a porta tentar neutralizar a prevista baixa da taxa.

Orçamento para as empresas assenta na descida do IRC e é fiel ao acordo de rendimentos

A taxa nominal de IRC é de 21% em Portugal, mas pode chegar aos 31% com as derramas que atingem as empresas com resultados mais elevados e que são também as grandes responsáveis pela receita deste imposto. Esta situação coloca o país no topo das taxas mais elevadas, mas com os benefícios e isenções fiscais, a taxa efetiva cai para pouco mais de 20% e compara melhor com os pares europeus.

À cabeça dos principais instrumentos geradores dos benefícios e isenções fiscais está o SIFIDE, o regime de incentivos à investigação e desenvolvimento que é responsável por 657 milhões de euros. É praticamente um terço do valor de todos os benefícios e corresponde a um crescimento de mais de 100 milhões de euros, ou 26%, face aos montantes atribuídos em 2022 por este regime.

Seguem-se os regimes fiscais de apoio ao investimento e o incentivo à capitalização das empresas. Também relevantes são os benefícios fiscais atribuídos às instituições de utilidade pública ou solidariedade social que não pagam IRC. O ano passado representaram menos 126 milhões de euros na cobrança do imposto.

É aliás uma IPSS que contabiliza o maior benefício, da ordem dos 17 milhões de euros. O Instituto das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus é uma instituição que se dedica à prestação de cuidados nas áreas da saúde mental, reabilitação e cuidados paliativos e que tem várias unidades de saúde em todo o país.

Segundo explica ao Observador o fiscalista da Deloitte, Renato Carreira, as entidades que estejam de acordo com o regime de instituições privadas de utilidade pública estão isentas nas atividades de assistência. Têm de cumprir um conjunto de condições, entre as quais o reporte à Segurança Social. Não podem distribuir dividendos e têm de reinvestir tudo o que lucram no mesmo fim. Se explorarem atividades paralelas ou fizerem aplicações de capital já têm de pagar o imposto devido.

No top 10 dos maiores descontos encontramos também a Santa Casa da Misericórdia do Porto. Na categoria da entidade de utilidade pública podemos encontrar a entidade promotora das Jornadas Mundiais da Juventude que se realizaram em Lisboa no ano passado com mais de 6,5 milhões de euros de benefício em IRC.

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As companhias aéreas estrangeiras a operar em Portugal estão também entre as principais beneficiárias, com destaque em 2023 para as sucursais da Emirates (companhia com sede no Dubai) e da Lufthansa, com montantes na casa dos 15 milhões de euros cada. Estas isenções de impostos sobre os lucros gerados em Portugal resultam de acordos de dupla tributação com os países onde estas companhias estão sedeadas, os quais garantem que o mesmo tratamento é dado à TAP nesses mercados.

Depois destas entidades surge um dos maiores grupos industriais portugueses, a Navigator com 14 milhões de euros, atribuídos sobretudo por via do SIFIDE. No entanto, o bolo dos descontos fiscais para grupos como a Navigator é mais vasto e envolve outros benefícios e outras empresas do mesmo grupo.

O SIFIDE tem sido alvo de auditorias que apontam para deficiências e falhas no controlo. Uma das fragilidades apontadas era a apropriação deste benefício fiscal por parte de quem investe em unidades de participação de fundos de investimento que, por sua vez, investem em empresas ou projetos de investigação e desenvolvimento. Na lista das 100 maiores beneficiárias de 2023 surgem várias entidades cuja principal atividade está no setor imobiliário.

IGF detetou irregularidades no regime que dá bónus fiscal à inovação

Renato Carreira explica que o anterior Governo introduziu algumas alterações para introduzir critérios de maior exigência no acesso e encurtou prazos para a realização do investimento. O atual Governo através do Programa Acelerar a Economia pretende ir em sentido contrário, reduzindo exigências da percentagem de despesa das empresas que investem em investigação e desenvolvimento e alargando para cinco anos o prazo para fazer o investimento.

É ainda neste regime que podemos encontrar um dos mais famosos unicórnios portugueses. A Farfetch foi resgatada por uma empresa sul-coreana que comprou os ativos da plataforma de venda de moda de luxo que acumulava prejuízos. Em 2023, a empresa com sede em Portugal teve um benefício de três milhões de euros por investimentos em investigação e desenvolvimento.

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Para além do SIFIDE, as empresas contam ainda com o regime fiscal de apoio ao investimento que responde por 225,6 milhões de euros de deduções à coleta. Fora deste regime, existem incentivos concedidos ao abrigo de créditos fiscais temporários para relançar o investimento e vantagens temporárias negociadas, caso a caso, no âmbito dos contratos de grandes investimentos.

Igualmente relevante é a dimensão dos descontos fiscais no IRC ao abrigo dos incentivos à capitalização, que abrangem tanto empresas públicas como a Infraestruturas de Portugal e a CP como grandes empresas privadas como a REN, a Galp, a EDP ou a Nos. Este regime fiscal de incentivo à capitalização resulta da junção em 2023 de dois instrumentos já existentes, a dedução pelos lucros reinvestidos e a remuneração convencional de capital. Este regime gerou quase 180 milhões de euros de descontos fiscais.

Os benefícios fiscais que resultam do apoio financeiro dado a empresas no quadro de mecenato social, cultural, desportivo, científico ou ambiental aproximaram-se dos 40 milhões de euros e assumem particular relevância em grandes empresas do retalho alimentar como o Modelo Continente, o Pingo Doce e o Lidl.

São também expressivos, do ponto de vista financeiro, os descontos fiscais concedidos ao nível da tributação autónoma aos automóveis híbridos plug in ou movidos a gás natural que ascenderam a 68,6 milhões de euros. Estes benefícios cresceram 67% em montante total atribuído face ao ano de 2022.

Apesar de estar a perder relevância com o apertar das regras, a zona franca da Madeira é ainda refúgio para algumas empresas e internacionais, tendo sido responsável por menos 74 milhões de impostos cobrados. Por pressão da Comissão Europeia este regime tem vindo a ser menos atrativo, exigindo um conjunto alargado de condições como a geração de emprego na região.

O fiscalista Renato Carreira admite que, face à aprovação europeia de um imposto mínimo de 15%, jurisdições que ofereçam taxas abaixo (a Madeira cobra 5% a quem cumprir todos os requisitos) percam ainda mais relevância. Mas também salvaguarda que as contas feitas à perda de receita com a zona franca comparam o imposto cobrado com o que seria cobrado com taxa normal de IRC e derramas (que se aplicam às grandes empresas), o que é um pressuposto difícil de verificar. Ou seja, sem as taxas mais baixas, muitas das empresas internacionais não viriam para a Madeira e nada garante que fiquem se o regime apertar ainda mais.

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