Dezenas de delegados democratas ocuparam, na quarta-feira à noite, a entrada da Convenção do partido, depois de a organização se ter recusado a dar palco a um orador de origem palestiniana, relatam os media norte-americanos. São membros do Movimento Nacional Descomprometido, críticos da posição oficial de Kamala Harris sobre a ofensiva israelita em Gaza.
Os Descomprometidos surgiram durante as eleições primárias do partido democrata, reunindo delegados que se recusaram a apoiar a candidatura de Joe Biden enquanto este continuasse a apoiar Israel, nomeadamente através da entrega de armas. Apesar de serem membros ativos do partido, caracterizam-se por uma postura pró-Palestina que não coincide com a posição oficial.
O protesto na Convenção foi começado por Abbas Alawieh, um delegado do Michigan, depois de ter recebido um telefonema da organização, com a recusa a um orador americano e palestiniano. Alawieh sentou-se no chão em frente ao United Center e respondeu ao telefone: “Diga à vice-presidente que estou sentado cá fora. Não vou a lado nenhum. Espero que mude de ideias. As crianças palestinianas precisam de ser ouvidas“. O momento foi capturado pelos jornalistas do New York Times, que descrevem como o delegado se emocionou, repetindo que era preciso pensar nas crianças.
Perante o gesto de Alawieh, vários democratas sentaram-se junto ao delegado à entrada da Convenção, onde permaneceram durante toda a noite e o dia seguinte. Esta quinta-feira, cerca de 30 descomprometidos marcavam presença no protesto e muitos outros democratas tinham expressado o seu apoio.
It’s midnight in Chicago. Uncommitted delegates are continuing their sit-in.
They want the DNC to let a Palestinian American speak. The DNC hasn’t budged so far.
“Power cedes nothing without a demand,” US Rep. Summer Lee says. pic.twitter.com/ovTPk40h7b
— Jake Sheridan (@JakeSheridan_) August 22, 2024
Waleed Shahid, outro dos fundadores do movimento, explicou que o pedido para um orador palestiniano foi apresentado há mais de dois meses, sem qualquer resposta. “Começámos a pressionar mais quando descobrimos que as famílias dos reféns [israelitas] iam ter um lugar de destaque, algo que apoiamos completamente“, relatou o estratega político sénior do partido. “Mas sentimos que é injusto”, declarou ao The Washington Post.
A falta de um orador palestiniano é só um sinal de um problema maior, defendem os descomprometidos, que exigem um embargo na entrega de armas a Israel e um cessar-fogo imediato. Declaram-se satisfeitos que o executivo democrata tenha dado tanta atenção aos 109 reféns israelitas, mas exigem que as 40 mil “vidas palestinianas sejam valorizadas da mesma forma”, cita a CNN.
Apesar das críticas a Harris, ao núcleo duro dos democratas e à sua posição oficial, estes delegados pró-Palestina recusam abandonar o partido . Alawieh explica que o seu objetivo é mudar políticas a partir de dentro, utilizando o sistema a seu favor. Daí que participem na Convenção, em vez de se juntarem aos manifestantes e independentes que ocupam as ruas de Chicago pela libertação da Palestina.
Apesar da frente unida que o partido democrata tem apresentado ao longo dos três dias, esta ocupação veio expor que democratas que têm falado a favor de Kamala Harris também preferiam uma abordagem diferente à situação em Gaza. Muitos recorreram às redes sociais para mostrar o seu apoio.
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Alexandria Ocasio-Cortez, que discursou no primeiro dia da convenção, escreveu que “tal como se deve honrar os reféns, também se deve centrar a humanidade dos 40.000 palestinianos mortos por bombardeamentos israelitas”. “O sofrimento dos palestinianos não é só uma inconveniência que podem ignorar porque vai arruinar as ‘vibes‘”, acusou Abraham Aiyash, representante do Michigan. Já o congressista da Califórnia, Ro Khanna, e a do Missouri, Cori Bush, acusaram ambos a Convenção e o Partido Democrata de silenciar a voz dos palestinianos.
Ilhan Omar, outra das congressistas fundadoras da squad — o grupo informal de congressistas inclinados à esquerda –, chegou mesmo a juntar-se ao protesto, relatam os jornais norte-americanos. A representante do Minnesota já tinha discursado num evento à margem da Convenção, apelando ao executivo que “parasse de enviar bombas” e pusesse fim “à guerra genocida” de Israel.
“We supply these weapons. So if you really wanted a ceasefire, you just stop sending the weapons. It is really that simple.” – @IlhanMN at our press conference yesterday. #NotAnotherBomb pic.twitter.com/DSgMvT6EfC
— Uncommitted National Movement ???? (@uncommittedmvmt) August 22, 2024
Nas redes sociais, o protesto tornou-se um rastilho para dezenas de outros grupos, que têm apoiado inequivocamente a candidatura de Kamala Harris, apelarem a um cessar-fogo imediato. Estes grupos incluem o sindicato UAW, um dos maiores no setor automóvel e preponderante em vários Estado-chave, ou a ONG judaica Bend the Arc.
Kamala Harris não respondeu diretamente ao Movimento dos Descomprometidos, mas a sua campanha reconheceu os protestos e afirmou que não toma os votos dos americanos árabes por garantidos e os está a ouvir.
“Sobre os delegados descomprometidos nesta Convenção, estamos orgulhosos e satisfeitos que estejam aqui”, declarou o diretor de comunicações aos jornalistas, garantindo que tinham tido o seu espaço, apesar da ausência no palco principal. Sobre as suas exigências políticas, Michael Tyles defendeu que Harris está “comprometida com o fim da violência e o fim do conflito”, citando as vezes que a vice-presidente falou sobre um cessar-fogo e ajuda humanitária em Gaza.
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A resposta de Harris chegou ao fim de quase um dia inteiro de protesto e, na tarde de quinta-feira, horas antes de começar o último dia da Convenção, os manifestantes continuam sentados em frente ao United Center.
O agente do Serviço Secreto responsável pela segurança no evento declarou que a ocupação era pacífica e, como participantes acreditados do partido, os manifestantes não iam ser retirados. “Se forem retirados, será porque a Convenção assim o decidiu”, declarou Derek Mayer, numa conferência de imprensa.