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“Discurso de Ricardo Leão normaliza ideias do Chega” – Observador Feijoada

ByEdgar Guerreiro

Nov 6, 2024

Na ressaca da noite eleitoral norte-americana, Marisa Matias — com larga experiência no Parlamento Europeu e agora deputada do Bloco de Esquerda –, critica a União Europeia por não pôr em prática a autonomia estratégica que tanto apregoa e que agora volta à mesa de discussão com a vitória de Donald Trump sobretudo na questão diplomática. “Não creio que estivesse preparada antes, não creio que esteja preparada agora”, lamenta.

Em entrevista ao Observador, no programa “Sofá do Parlamento”, e apesar de considerar a vitória do Partido Republicano como uma “péssima noticia”, Marisa Matias não deixa de destacar o reforço de vozes mais à esquerda nestas eleições norte-americanas e o papel que vão desempenhar na “resistência” a Trump. Em contrapartida, a bloquista recusa a ideia de que os partidos considerados progressistas estão a ser penalizados por demasiado focados nas políticas identitárias. “O que é a política de Trump que não seja identitária?”, provoca a deputada bloquista.

Já no plano nacional, a deputada do Bloco de Esquerda condena as declarações de Ricardo Leão, presidente da Câmara de Loures e agora ex-presidente da Federação da Área Urbana de Lisboa do PS, acusando o socialista de “normalizar um discurso mais parecido com o do Chega”.

Sobre o incidente que resultou na morte de Odair Moniz, os protestos que daí resultaram e as reações que se seguiram, Marisa Matias recusa as acusações de aproveitamento político de que foi alvo o Bloco de Esquerda e diz considerar “estranho que só o Bloco tenha humanizado” este caso, numa crítica implícita ao PS e às demais forças de esquerda.

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[Ouça aqui o Sofá do Parlamento com Marisa Matias]

Marisa Matias: “Politica de Trump agradará aos senhores da guerra”

O que é que falhou na campanha de Kamala Harris para que Donald Trump tivesse uma vitória deste nível, em que até consegue a maioria do voto popular?
Há muitas coisas que estão a falhar já há muito tempo nos Estados Unidos, na condução da política e na falta de resposta ao que é sentido como necessidade da população, de quem vive e de quem trabalha. A administração democrata não foi uma exceção em relação a isso. A administração Biden-Harris  teve problemas relacionados com a perceção de que os rendimentos do trabalho não chegam para pagar as contas, de que a inflação está a comer todos os ganhos. As questões económicas são muito sérias, bem como a falta de acesso a serviços públicos. Mas também há questões relacionados com a paz, e nós vimos as manifestações em todo o país de estudantes nas universidades em relação ao genocídio em Gaza. Todos esses problemas serão agora agravados com a vitória de Donald Trump.

Existiu apenas uma falha de políticas nos últimos quatro anos ou também uma falha na tentativa de unir o país pós-Donald Trump?
O país está muito dividido e não é de agora. Não é das últimas eleições e não é desde Donald Trump. Pode ter-se agravado, mas já vem muito de trás. Há nos Estados Unidos o que há em muitos outros contextos e a Europa não é exceção: esta ideia de que a resposta que se faz às políticas populistas e que se faz às políticas de extrema-direita é, de certa forma, dialogar com elas, é ser ambíguo, é poder ter respostas que não afetem muito uma certa perceção dos problemas. Isso normaliza e naturaliza estas políticas, mas não as resolve. Uma das coisas que o resultado hoje é evolução de candidatos como Ilhan Omar, Alexandra Ocasio-Cortez, Bernie Sanders ou Rashida Khlaib, que, num estado em que os democratas perdem, teve 77% dos votos. Quando se tem propostas que não alimentam ambiguidades, seja na política económica, na paz, que não são coniventes com o genocídio que está a acontecer em Gaza, a tradução do voto é muito diferente do que foi depois o voto nos candidatos à Presidência.

A vitória de Trump não resulta também da incapacidade da esquerda e dos progressistas para responder aos problemas concretos e de se focarem muito na questões identitárias? Essa reflexão está a ser feita pelos partidos mais progressistas?
Os partidos progressistas não têm outra alternativa a não ser fazer uma profunda reflexão na sequência destes resultados. Isso é a coisa mais séria que se deve fazer. Agora, recuso essa teoria e abordagem de que de um lado está a política identitária e do outro está a política real dos problemas. Não é assim nos Estados Unidos e não é assim em lado nenhum. Que coisa é a política de Donald Trump se não também ela uma política identitária? Do nós contra eles, do homem branco, americano, trabalhador, contra o imigrante racializado, do pai de família e da mulher cristã contra a mulher independente, com autodeterminação e capacidade de se dizer sobre o seu próprio corpo? Há uma leitura muito enviesada do que é que significa, e do que é que representa, política identitária. Isto não quer dizer que não tenham falhado e que não continuem a falhar respostas concretas aos problemas das pessoas, nos serviços públicos, no acesso à saúde, que sabemos que é trágico nos Estados Unidos, na capacidade de pagar as contas ao fim do mês.

Uma nova presidência de Donald Trump não será à partida mais institucional? Tendo já passado pela administração, conhece o funcionamento da máquina.
O que sabemos é que, com Donald Trump, há uma política que ganha: que é política do ódio, a que ataca mulheres, migrantes, trabalhadores, que é uma política racista, xenófoba e que agradará aos senhores da guerra deste momento, Putin e Netanyahu. Não sei o que é que isso tem de institucional. Não devemos, nem podemos esperar nada de muito desgraduado na intervenção de Trump nos próximos tempos. A boa notícia é que, apesar de tudo, as vozes de resistência mais ativas saem também reforçadas nesta eleição. De cada vez que Donald Trump voltar a atacar as mulheres, os migrantes, os trabalhadores, há nos Estados Unidos quem lhe faça frente, para além, obviamente, dos movimentos de estudantis que estiveram nas ruas e acampados contra o genocídio em Gaza. Há uma resistência que terá um papel na sociedade norte-americana.





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