A Frelimo pensa “que os jovens não pensam”, diz Quitéria apontando o dedo ao que diz ser uma “campanha de desinformação” promovida por forças do partido histórico. “Inventaram que o Mondlane é um agente da Jihad. Os jovens riem. Que eu sou paga pela CIA. Os jovens riem. Ninguém acredita e isso só acicata mais a indignação”.
O governo tem de mudar, insiste, “dentro da Frelimo há vozes a dizerem isso”, e pode caminhar no sentido da “reconciliação, repondo a verdade — números não se negoceiam, contam-se — , admitindo que falharam, pedindo desculpa, prontos para recomeçar, reconstruir, virar a página”.
Por isso, enquanto isso não acontecer, os protestos na rua vão continuar e a polícia vai continuar a reprimir. Até quando? Até uma das partes se cansar? Paula Cristina Roque acredita que as forças de segurança e de defesa não aguentam mais cinco dias de protestos na rua. Do outro lado, “as pessoas perceberam que têm uma voz, que têm um poder, e não vão abdicar disso facilmente”, salienta ao Observador a investigadora, especialista em assuntos africanos. Daí que antevê “uma intensificação da contestação”.
Considera que “a pressão diplomática vai crescer”, que “há pressões internas dentro da própria Frelimo que dizer que isto não é sustentável”, pelo que “toda esta tensão vai provocar uma tempestade perfeita que vai alterar os cálculos” do partido que está no poder há 49 anos. “Não podem continuar a reprimir violentamente moçambicanos aos olhos de todo o mundo. As atenções do mundo estão centradas em Moçambique”.
Paulo Cristina Roque lembra que nem a União Europeia nem os Estados Unidos da América “reconheceram a vitória da Frelimo e de Daniel Chapo”. E que a contestação em Moçambique foi mais longe do que a ocorrida em Angola, quando, em 2022, a UNITA e outros partidos da oposição não aceitaram os resultados eleitorais.
“Em Angola o reconhecimento internacional não foi automático mas havia uma predisposição de Portugal, EUA e UE para aceitarem a vitória do MPLA. E vendo a moderação da UNITA, para evitar um banho de sangue, mantiveram o status quo e os interesses económicos e não quiseram pressionar”, explica a investigadora.
Porém, Moçambique é diferente. “A Frelimo está enfraquecida e internamente fraturada, houve uma repressão violenta, a população está unida nesta guerra, sociedade civil e igreja católica vão na mesma direção”, destaca.
Aliás, a SADC (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral) convocou uma reunião de emergência para dia 16 e a Conferência dos Bispos Católicos da África Austral (SACBC) também se manifestou num carta de apoio aos bispos moçambicanos.
“Será difícil continuar a reprimir a vontade do povo que quer ser livre”, referem os bispos católicos, ao mesmo tempo que alertam: “Se o governo em exercício continuar por este caminho, será impossível governar o país e a vida tornar-se-á mais miserável.”
Quitéria Guirengane não vai desistir “até à revolução triunfar”. Habituada a confrontos com a polícia, pois há vários anos que organiza manifestações e marchas, aprendeu “a viver confortável com uma ideia: quem mata também morre”.