Aos 41 anos, é uma das mais destacadas e emergentes autoras da literatura norte-americana. Por vezes descrita como “poeta premiada do Twitter” – em referência aos tempos em que ainda deambulava pela rede social – Lockwood fez nome através de tweets melancólicos, mas sempre humorísticos, ao mesmo tempo que começou a publicar poesia e prosa a uma velocidade furiosa, como se estivesse num jogo com tempo limite. A escrita, diz, é ato compulsivo e é hábito. “É aquilo que faço sempre, assim que acordo. (…) Aprendi que se não consigo conter algo dentro de mim, então terá de sair para algum lado. Neste caso, através da escrita, que é o meu escape.”
Pelo meio de “tempos obscuros”, marcados pela presidência Trump e alguns infortúnios familiares, publicou o livro de memórias Priestdaddy. Nomeado como um dos 10 melhores livros de 2017 pelo The New York Times, relata a sua educação como filha de um ministro luterano casado que se converteu ao catolicismo, tornando-se num dos poucos padres católicos casados. Mas o livro, onde trata questões de família, crença, pertença e idade adulta, foi apenas um marco. Antes já tinha publicado dois livros de poesia — Balloon Pop Outlaw Black e Motherland Fatherland Homelandsexuals — e, mais recentemente, um primeiro romance, intitulado Sobre Isto Ninguém Fala (2021), o único traduzido até agora em Portugal.
Neste título, Patricia Lockwood volta a debruçar-se sobre a relação do mundo digital com a realidade, colocando uma interrogação ao leitor: haverá vida depois da internet? Vencedor do Dylan Thomas Prize e finalista, entre outros, do Booker Prize, o livro conta a história de uma mulher que entra no portal (pode ser a internet em analogia), mergulhando num lugar estranho e aditivo onde a privacidade se vê revirada do avesso. Contudo, é nesse momento que as ameaças existenciais começam a ganhar forma – as alterações climáticas, a precariedade económica, a ascensão política de um “ditador” por nomear ou uma epidemia de solidão – tudo faz parte deste universo que, no final de contas, tem pouco de ficcional em relação ao mundo em que vivemos.
Mas voltemos à escrita como motor: Patricia Lockwood encontrou gatilhos narrativos nas memórias familiares e nas experiências que viveu. Ao Observador explica que escreve por necessidade, que parte da leitura e que a literatura está a mudar a com a Internet. As redes sociais deram-lhe o conforto para a escrita. “Gosto de estar num lugar onde sou apenas cérebro e onde sinto que estou a contactar com outras pessoas, mas só de forma cerebral. Uma vez mais, isto acontece porque nunca me senti muito conectada com o meu corpo.” Não esconde a preocupação com a política norte-americana e a sensação de dejá vu, reflete sobre o ressurgimento dos cultos religiosos e aponta para a importância da leitura e das artes.
Ainda a entrevista não tinha começado e já Lockwood falava de um processo de escrita e revisão. “Chego a um determinado momento em que tenho de saber parar”. Desde 2019, como colaboradora da London Review of Books, tem-se destacado como uma pujante ensaísta, que lhe acrescenta mais uma faceta como autora prolífica. E é por aí que começamos.
Tem-se debruçado ultimamente sobre os ensaios e a crítica literária. Como é que este processo é diferente do resto da sua escrita?
Começo de imediato a ler o livro que me proponho a analisar e identifico o que sei sobre o escritor. O que sei sobre os seus antecedentes; se tenho um forte conhecimento dos seus trabalhos anteriores; se gosto realmente dele ou se me sinto apaixonado pelo que escreve de alguma forma. E continuo a ler. Leio coisas relacionadas com o autor. Geralmente, não costumo aprofundar a biografia. Na maior parte das vezes, limito-me a tratar a obra que tenho diante de mim.
Já escreveu ensaios sobre David Foster Wallace ou Elena Ferrante. Um autor é, em primeiro lugar, um bom leitor de outros?
Sim, sem dúvida. O David Foster Wallace e a Elena Ferrante são ambos ótimos leitores. Leitores de primeira linha. Diria que muitas das minhas ideias surgem de manhã, quando me sento com o meu café, com um bloco de notas ao lado, a ler… Não me sento apenas com os meus próprios pensamentos. Começo geralmente com o livro de outra pessoa. É um estímulo para mim. Há um livro chamado The Triggering Town, do Richard Hugo. É ensinado por vezes em programas de escrita criativa nos Estados Unidos. Explora a noção de que se pode estar a conduzir por um lugar e ver alguma coisa, um raio de luz ou uma música como a que vem da rádio, e isso torna-se gatilho para um poema ou um texto. É assim que sempre funcionou para mim, embora os meus estímulos sejam geralmente literários. São textuais. São aquilo para que estou a olhar, logo de manhã.
Nesse sentido nunca se está sozinho, mesmo que a escrita seja geralmente um processo bastante pessoal e íntimo.
Na verdade, admiro as pessoas que conseguem escrever sem terem tido este processo que, como diz, é mais coletivo e menos solitário. Se eu fosse largada numa espécie de ilha deserta ou algo do género, não escreveria… Preciso de algo que me estimule e de algo que me faça reagir ao que acabei de sentir.
Como escritora, considera que é importante haver este lado mais comunicativo com o público ou em entrevistas? Há autores que não gostam de falar do seu processo.
Não tenho problemas em falar do meu processo ou daquilo que me estimula. Na verdade, continuo a ter aquela sensação quando leio, por exemplo, a Ferrante. Penso: “podia ter sido eu, se tivesse tido a ideia”. Infelizmente isso não sucede desta forma. Como escritora, tenho muitas vezes esta sensação, que não teria se estivesse unicamente no papel de leitora.
É importante para si manter uma forma de comunicar com os seus leitores?
Nem por isso, mas acho que seria mais honesta com eles. Acho que não sou uma pessoa capaz de guardar um segredo. Mais uma vez, sou muito transparente. Se estou a falar com alguém e me perguntam algo, respondo honestamente. Não acho que seja uma necessidade para todos os escritores manterem esse canal. No meu caso, a escrita é o canal. Não é algo que se precise de abrir artificialmente. Além disso, creio que há uma sensação de drenagem do escritor moderno devido a esse acesso em demasia e ao facto de permitir que todas as partes da sua vida sejam conhecidas. Para mim, é mesmo que deixar que os nossos rascunhos sejam vistos antes mesmo de se ter algo de concreto.
É por isso que, como já o disse, é muito reservada em relação a entrevistas?
Acho que quero algo diferente das outras pessoas nas entrevistas. Sinto sempre que quero estar a ajudar o entrevistador a fazer o seu trabalho. Não se trata necessariamente de tornar claras os meus argumentos ou de iluminar algo sobre mim. Talvez isso aconteça porque conheço muitos jornalistas. O meu marido foi jornalista. Estou nas entrevistas como sujeito, como material, mas sinto que é uma colaboração mútua. Não se pode ser combativo ou demasiado reticente, tenho uma abertura quase patológica, mas é por isso que as considero de alguma forma momentos sagrados.