Sem orçamento definido, as Comemorações do V Centenário do Nascimento de Luís de Camões continuam envoltas em mistério. A programação vai ser apresentada na próxima semana, dia 3 de junho, no Mosteiro dos Jerónimos, pela ministra da Cultura, Dalila Rodrigues, que, ainda assim, prefere manter-se em silêncio em cima do acontecimento, depois de o anterior Governo ter deixado derrapar a efeméride e todas as démarches para que se realizasse.
Foi em maio de 2021 que um Conselho de Ministros ditou a criação de um comissariado para as Comemorações dos 500 anos do nascimento do maior poeta português. Foi nomeada a catedrática Rita Marnoto, da Universidade de Coimbra, como comissária-geral da efeméride, que veio a tornar público, em dezembro de 2023, que nada tinha acontecido até essa data e que ela, ainda sozinha, esperava que fosse criada uma estrutura de missão que a ajudasse então a elaborar uma programação.
A celebração dos 500 anos do autor de “Os Lusíadas”, porém, cujas comemorações estão previstas ter início a 10 de junho de 2024, deveria ter uma programação definida até finais de 2022. Nada seguiu os trâmites pensados, mais uma vez. E, só em janeiro de 2024, se constituiu, por decreto-lei assinado pelo Ministério da Cultura, Pedro Adão e Silva, e pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, Francisco Nunes André, uma comissão consultiva para as comemorações. A mesma, liderada por Rita Marnoto, deveria no passado dia 20 de maio, apresentar a programação.
O Observador sabe que esse trabalho tem vindo a ser desenvolvido numa corrida contra o tempo por três instituições base: a Biblioteca Nacional de Portugal, A DGLab (Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, e a DGArtes (Direção-Geral das Artes), em associação com o Instituto Camões, que se ocupará das comemorações além fronteiras.
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Por cá, são três as grandes linhas de atuação da programação que celebra Luís de Camões. Uma linha escolar, que em estreita sintonia com o Ministério da Educação e a Rede de Bibliotecas Escolares, chefiada por Manuela Pragana Silva, pretende pôr em evidência o envolvimento das escolas e um trabalho efetivo ao nível dos professores de português e de história; uma outra linha que procura dar a estas comemorações uma dimensão cívico-cultural e que põe em destaque as artes performativas e o trabalho dos teatros nacionais, São Carlos e D. Maria II, em Lisboa, e São João, no Porto; e uma terceira linha virada para o âmbito científico centralizada no trabalho a desenvolver pela Biblioteca Nacional ao nível dos estudos camonianos.
E é precisamente na Biblioteca Nacional que a programação está mais desenvolvida. A Biblioteca Camoniana Digital será uma das novidades, bem como uma grande exposição, a inaugurar em 2025, com curadoria de João Alves Dias, e ainda a organização de encontros e colóquios ao mais alto nível entre os mais prestigiados camonistas, em Lisboa, mas também no Porto e em Coimbra. “A ideia é saber ao certo em que ponto estão os estudos camonianos e refletir sobre eles”, conta ao Observador Diogo Ramada Curto, diretor da BNP, que fala em reunir “os 30 investigadores portugueses e os 30 investigadores internacionais, fugindo ao conceito de gigantismo de um único colóquio”.
Ponto grande na BN será o próximo dia 19 de junho, às 18h, com a apresentação por Isabel Almeida, de um livro de Frederico Lourenço sobre o poeta de “Os Lusíadas”.
O sítio online dedicado a Luís de Camões, para o qual se congregam todos os esforços atualmente, será apresentado em breve, sendo que as Comemorações se prolongarão até 2026.
O problema maior, no entanto, reside nos custos das Comemorações. A resolução de Conselho de Ministros de 2021 previa que fosse apresentado um orçamento atempadamente, o que nunca veio a acontecer. O despacho de janeiro de 2024 prevê igualmente que o comissariado apresente uma previsão de encargos, mas tal também ainda não veio a acontecer. O Observador sabe que a tutela anterior não cabimentou verbas para as Comemorações, uma vez que não sabia quanto ia gastar, ou seja, não há qualquer inscrição no Orçamento de Estado de 2024 para estas atividades. E ninguém sabe de onde virá o dinheiro para a programação.
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Contactada pelo Observador, a comissária da efeméride, Rita Marnoto, apesar de não adiantar um único item da programação, diz apenas ter concebido “uma estrutura conceptual” de programação e afiança que essa programação será custeada “a partir dos orçamentos das instituições intervenientes”. No entanto, as instituições intervenientes, como a BNP, negam ter orçamentadas quaisquer verbas para tal. “Não temos qualquer verba alocada às comemorações dos quinhentos anos do nascimento de Luís de Camões. A única coisa que existe é uma promessa de que usufruiremos eventualmente de um reforço orçamental em 2025”, garante Diogo Ramada Curto.
O gabinete da ministra da Cultura não se pronuncia também sobre esta matéria, apesar de questionado sobre orçamentos, encargos e cabimentação de verbas para a efeméride.